Texto:
Clarões
Quando ouço uma palavra, isto ativa imediatamente em minha mente uma rede de outras palavras, de conceitos, de modelos, mas também de imagens, sons, odores, sensações proprioceptivas*, lembranças, afetos etc. Por exemplo, a palavra “maçã” remete aos conceitos de fruta, de árvore, de reprodução; faz surgir o modelo mental de um objeto basicamente esférico, com um cabo saindo de uma cavidade, recoberto por 5 uma pele de cor variável, contendo uma polpa comestível e caroços, ficando reduzido a um talo quando o comemos; evoca também o gosto e a consistência dos diversos tipos de maçã, a granny mais ácida, a golden muitas vezes farinhenta, a melrose deliciosamente perfumada; traz de volta memórias de bosques normandos de macieiras, de tortas de maçã etc. A palavra maçã está no centro de toda esta rede de imagens e conceitos que, de associação em associação, pode estender-se a toda a nossa memória. Mas 10 apenas os nós selecionados pelo contexto serão ativados com força suficiente para emergir em nossa consciência. Selecionados pelo contexto, o que isto quer dizer? Tomemos a frase: “Isabela come uma maçã por suas vitaminas”. Como a palavra “maçã”, as palavras “come” e “vitaminas” ativam redes de conceitos, de modelos, de sensações, de lembranças etc. Serão finalmente selecionados os nós da minirrede, centrada 15 sobre a maçã, que outras palavras da frase tiverem ativado ao mesmo tempo; neste caso: as imagens e os conceitos ligados à comida e à dietética. Se fosse “a maçã da discórdia” ou a “maçã de Newton”, as imagens e os modelos mentais associados à palavra “maçã” seriam diferentes. O contexto designa portanto a configuração de ativação de uma grande rede semântica em um dado momento. (...) Podemos certamente afirmar que o contexto serve para determinar o sentido de uma palavra; é ainda mais judicioso considerar que 20 cada palavra contribui para produzir o contexto, ou seja, uma configuração semântica reticular que, quando nos concentramos nela, se mostra composta de imagens, de modelos, de lembranças, de sensações, de conceitos e de pedaços de discurso. Tomando os termos leitor e texto no sentido mais amplo possível, diremos que o objetivo de todo texto é o de provocar em seu leitor um certo estado de excitação da grande rede heterogênea de sua memória, ou então orientar sua atenção para uma certa zona de seu mundo 25 interior, ou ainda disparar a projeção de um espetáculo multimídia na tela de sua imaginação. (...) O sentido de uma palavra não é outro senão a guirlanda cintilante de conceitos e imagens que brilham por um instante ao seu redor. A reminiscência desta claridade semântica orientará a extensão do grafo** luminoso disparado pela palavra seguinte, e assim por diante, até que uma forma particular, uma imagem global, brilhe por um instante na noite dos sentidos. Ela transformará, talvez imperceptivelmente, o 30 mapa do céu, e depois desaparecerá para abrir espaço para outras constelações. (...)
1-O título do Texto é uma metáfora, retomada no último parágrafo. Assinale a alternativa que identifica e interpreta corretamente o sentido da metáfora, considerando o desenvolvimento do texto.
a) A metáfora do título é retomada como mapa do céu, para mostrar que os sentidos estão sempre distantes da compreensão humana.
b) A metáfora do título associa-se à imagem da maçã, para esclarecer o mecanismo que liga uma palavra a um objeto.
c) A metáfora do título é retomada como constelações, no último parágrafo, para explicar que os sentidos se confundem e um acaba por obscurecer o outro.
d) A metáfora do título, retomada no último parágrafo como guirlanda cintilante, associa a produção de sentido a um processo em rede, que ilumina a compreensão do mundo.
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