Só se espiaram realmente quando as malas foram dispostas no trem, depois de trocados os beijos: a cabeça da mãe apareceu na janela.
Catarina viu então que sua mãe estava envelhecida e tinha os olhos brilhantes.
O trem não partia e ambas esperavam sem ter o que dizer. A mãe tirou o espelho da bolsa e examinou-se no seu chapéu novo, comprado no mesmo chapeleiro da filha. Olhava-se compondo um ar excessivamente severo onde não faltava alguma admiração por si mesma. A filha observava divertida. Ninguém mais pode te amar senão eu, pensou a mulher rindo pelos olhos; e o peso da responsabilidade deu-lhe à boca um gosto de sangue. Como se “mãe e filha” fosse vida e repugnância. Não, não se podia dizer que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso. A velha guardara o espelho na bolsa, e fitava-a sorrindo. O rosto usado e ainda bem esperto parecia esforçar-se por dar aos outros alguma impressão da qual o chapéu faria parte. A campainha da Estação tocou de súbito, houve um movimento geral de ansiedade, várias pessoas correram pensando que o trem já partia: mamãe! disse a mulher. Catarina! disse a velha. Ambas se olhavam espantadas, a mala na cabeça de um carregador interrompeu-lhes a visão e um rapaz correndo segurou de passagem o braço de Catarina, deslocando-lhe a gola do vestido. Quando puderam ver-se de novo, Catarina estava sob a iminência de lhe perguntar se não esquecera de nada...
– ...Não esqueci de nada? perguntou a mãe.
LISPECTOR, Clarice. Laços de família.
No texto acima, a autora:
Escolha uma:
a. emprega palavras comuns, por vezes combinadas de modo inesperado, para desvelar a mentira constituinte de uma relação familiar feita de frases e gestos convencionais
b. escolhe um vocabulário nobre e raro e uma sintaxe complexa e difícil para desvelar a mentira constituinte de uma relação familiar feita de frases e gestos cerimoniosos.
c. escolhe um vocabulário nobre e raro e uma sintaxe complexa e difícil para ocultar a mentira constituinte de uma relação familiar feita de frases e gestos convencionais.
d. representa a corrente caótica da consciência de uma das personagens, abstendo-se de descrever os comportamentos banais, exteriormente observáveis.
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Letra A emprega palavras comuns, por vezes combinadas de modo inesperado, para desvelar a mentira constituinte de uma relação familiar feita de frases e gestos convencionais
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