Seria possível a popularização de ideias eugenistas no Brasil de hoje?
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O Brasil não só ‘exportou’ a ideia como criou um movimento interno de eugenia.
Médicos, engenheiros, jornalistas e muitos nomes considerados a elite intelectual da época no Brasil viram na eugenia a ‘solução’ para o desenvolvimento do país.
Eles buscavam, portanto, respaldo na biogenética (ou seja, nos estudos e resultados de pesquisa de Galton) para excluir negros, imigrantes asiáticos e deficientes de todos os tipos. Assim, apenas os brancos de descendência europeia povoariam o que eles entendiam como ‘nação do futuro’.
Segundo a antropóloga social Lilia Schwarcz, a eugenia oficialmente veio ao país em 1914, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, com uma tese orientada por Miguel Couto, que publicou diversos livros sobre educação e saúde pública no país.
Couto via com maus olhos a imigração japonesa e anos mais tarde, em 1934, seria um dos responsáveis por implementar um artigo na Constituição da época que controlava a entrada de imigrantes no Brasil.
Nos primeiros anos do século XX, porém, havia no Rio, então capital brasileira, a ideia de que as epidemias brasileiras eram culpa do negro, recém-liberto com a abolição da escravatura (1889).
Portanto, para parte da elite intelectual da época, a eugenia seria uma forma de ‘higiene social’, tanto que “saneamento, higiene e eugenia estavam muito próximas e confundiam-se dentro do projeto mais geral de ‘progresso’ do país”, conforme assinalou a pesquisadora Maria Eunice Maciel, professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Renato Kehl: o pai da eugenia no Brasil
Quando se deparou com a tese orientada por Couto, o médico e sanitarista Renato Kehl (1889-1974), considerado o pai da eugenia no Brasil, achou que a comunidade científica tinha que se esforçar mais.
Ele acreditava que a melhoria racial só seria possível com um amplo projeto que favorecesse o predomínio da raça branca no país.
A professora Maria Maciel enumera algumas das ideias de Kehl: “segregação de deficientes, esterilização dos ‘anormais e criminosos’, regulamentação do casamento com exame pré-nupcial obrigatório, educação eugênica obrigatória nas escolas, testes mentais em crianças de 8 a 14 anos, regulamentação de ‘filhos ilegítimos’ e exames que assegurassem o divórcio, caso comprovado ‘defeitos hereditários’ em uma família”.
Kehl conseguiu trazer diversas autoridades médicas para levar o projeto de eugenia adiante: um deles é Gonçalves Vianna, da então Liga de Higiene Mental do Rio Grande do Sul. Outra figura bem conhecida era o radialista Roquette-Pinto, que liderou o Congresso de Eugenia no Rio, em 1929.
Nesse congresso, que reuniu dezenas de médicos e biólogos favoráveis à ideia de eugenia, eles classificaram pessoas com deficiência, como cegos, surdo-mudos e pessoas com deficiência mental, por exemplo, de ‘tarados’ – ou seja, um mal a ser combatido para que a ‘raça superior’ prevalecesse.
Mulheres eram tidas como ‘procriadoras’ e a eugenia, para eles, era uma forma de “advertência do perigo que ameaça a raça com o feminismo”, como assinalou Maciel.
Na mesma época, chegou a ser organizado um “Concurso de Eugenia” que serviria para premiar as 3 crianças que “mais se aproximassem do tipo eugênico ideal”, conforme anunciava o cartaz.
As ‘vencedoras’ do concurso eram todas garotas, brancas, que foram classificadas como “boas procriadoras”.
Segundo Pietra Diwan, em escala nacional e política a eugenia era um “superprojeto”, porque permitia identificar as características raciais e físicas consideradas ‘ruins’ pelos mais ricos da época e “cortar o mau para desenvolver apenas as boas características em cada pessoa”.