SENHORA
--- O senhor não retribuiu meu amor e nem o compreendeu. Supôs que eu lhe deva apenas a
preferência entre outros namorados, e o escolhia para herói dos romances, até aparecer algum
casamento, que o senhor, moço honesto, estimaria para colher à sombra o fruto de suas flores
poéticas. Bem vê que eu distingo dos outros, que ofereciam brutalmente mas com franqueza e sem
rebuço, a perdição e a vergonha.
Seixas abaixou a cabeça.
--- Conheci que não amava-me, como eu desejava e merecia ser amada. Mas não era sua a
culpa e só minha que não soube inspirar-lhe a paixão que eu sentia. Mais tarde, o senhor retirou-me
essa mesma afeição com que me consolava e transportou-a para outra, em que não podia encontrar
o que eu lhe dera, um coração virgem e cheio de paixão com que o adorava. Entretanto, ainda tive
forças para perdoar-lhe e amá-lo.
A moça agitou então a fronte com uma vibração altiva:
--- Mas o senhor não me abandonou pelo amor de Adelaide e sim pelo seu dote, um mesquinho
dote de trinta contos! Eis o que não tinha direito de fazer, e o que jamais lhe podia perdoar!
Desprezasse-me embora, mas não descesse da altura em que o havia colocado dentro de minha
alma. Eu tinha um ídolo; o senhor abateu-o de seu pedestal, e atirou-o no pó. Essa degradação do
homem a quem eu adorava, eis o seu crime; a sociedade não tem lei para puni-lo, mas há um
remorso para ele. Não se assassina assim um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a
descrença e o ódio.
Seixas, que tinha curvado a fronte, ergueu-a de novo e fitou os olhos da moça. Conservava
ainda as feições contraídas e gotas de suor borbulhavam na raiz dos seus cabelos negros.
--- A riqueza que Deus me concedeu chegou tarde; nem ao menos permitiu-me o prazer da
ilusão, que tem as mulheres enganadas, Quanto a recebi, já conhecia o mundo e as suas misérias; já
sabia que a moça rica é um arranjo e não uma esposa; pois bem, disse eu, essa riqueza servirá para
dar-me a única satisfação que ainda posso ter neste mundo. Mostrar a esse homem que não me
soube compreender, que mulher o amava, e que alma perdeu. Entretanto, ainda eu afagava uma
esperança. Se ele recusa nobremente a proposta aviltante, eu irei lançar-me a seus pés. Suplicarlhe-ei que aceite a minha riqueza, que a dissipe se quiser, mas consinta-me que eu o ame. Esta
última consolação, o senhor arrebatou. Que me restava? Outrora ataca-se o cadáver ao homicida,
para expiação da culpa; o senhor matou-me o coração; era justo que o prendesse ao despojo de sua
vítima. Mas não desespere, o suplício não pode ser longo: constante martírio a que estamos
condenados acabará por extinguir-me o último alento; o senhor ficará livre e rico.
Jose de Alencar. Senhora. São Paulo: Moderna.
1 – Sobre o texto:
a) Pelo discurso de Aurélia, percebemos que o texto registra uma oposição com que a sociedade da
época soube conviver. Que oposição é essa?
b) Aurélia, porque não foi amada à altura da sua dedicação a Seixas, impõe a este uma “punição”.
Cite-a.
c) O que Aurélia sugere em suas palavras no último parágrafo?
d) Aurélia é personagem típica do romance romântico? Justifique.
e) Com que adjetivos poderíamos caracterizar o estado de espírito de Aurélia?
2 – Sobre a estrutura textual:
a) Que tipo de narrador está presente no texto?
b) Quantos personagens estão presentes no texto?
c) Em que momento ocorrem os fatos?
d) O texto apresenta um desfecho sobre o problema narrado na história. Apresente o trecho do texto
que justifique a sua resposta.
Soluções para a tarefa
Resposta:A)Amor e Dinheiro.
B)Viver ao seu lado forçosamente.
c) Que, por força da dor de amar sem ser amada, morreria cedo, e Seixas estaria livre e herdaria sua riqueza.
d) SIM. Pela postura nobre, motivada pela emoção, justa e amorosa.
e) Magoada / Ofendida / Humilhada / Desprezada.
f)Apresenta um discurso nobre, eloquente, de tom declamatório.
Explicação: Espero q tenha ajudado
1) a) O texto registra uma oposição com que a sociedade da época soube conviver, e essa oposição se dá entre o amor e o dinheiro.
b) A punição que Aurélia impõe a Seixas é que este deverá viver ao seu lado de maneira forçada.
c) Aurélia sugere, nas últimas palavras do texto, que, por causa da enorme dor de amar sem ser amada, ela acabaria morrendo cedo, e Seixas se veria livre dela, e ainda teria sua riqueza como herança.
d) Sim, Aurélia é personagem típica do romance romântico. Isso se deve ao fato de estar ter postura nobre, além de possuir imaginação e ideologias românticas.
e) Uns dos adjetivos que poderiam ser usados para caracterizar o estado de espírito de Aurélia são: triste, magoada, deprimida, miserável.
2) a) No texto, tem-se a presença de narrador onisciente neutro, que é um narrador observador que não participa da história e nem comenta sobre a imaginação dos personagens, somente narra os fatos que acontecem.
b) No texto, tem-se a presença de somente dois personagens: Aurélia e Seixas.
c) Os fatos ocorrem em um só momento, o momento presente, que acontece no momento em que se narra.
d) O desfecho do problema narrado na história se dá mais no final do texto, onde fica subentendido que o homem passou a viver junto da mulher, que logo morrerá, e este sairá com sua herança.
O trecho é: "era justo que o prendesse ao despojo de sua vítima."
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