resenha critica filme Joãosinho trinta
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Confesso que me emocionei em muitas cenas de "Trinta", filme de Paulo Machline que estreou esta semana. Há exatamente um ano atrás, eu lançava meu primeiro livro, "Explode, coração - Histórias do Salgueiro" (Verso Brasil Editora), falando sobre os personagens da vermelho e branco. Para isso, fiz um mergulho profundo na trajetória da escola, e o filme me fez recordar várias das histórias pesquisadas, com pessoas que, de tanto frequentarem meus pensamentos e meus teclados, em certo momento se tornaram íntimas. Nos 90 minutos do longa, me transportei de volta ao mundo de Joãosinho, Pamplona, Laíla, Zeni, Osmar e Isabel Valença, Calça Larga, Zé Di...
Tenho certeza de que esta viagem teria sido maior ainda se eu tivesse visto o filme na pré-estreia, que aconteceu em setembro, no Teatro Municipal. Ali, naquele que foi o palco de João por muitos anos, ao lado de vários amigos seus, a volta no tempo seria inevitável. Mas não estava no Rio à época e acabei só assistindo ao filme agora, quando estreou no circuito. E foi uma alegria ver o carnaval na tela grande do cinema.
Acho até que essa intimidade com os personagens foi o que me fez gostar do filme. Não acho que "Trinta" seja uma grande obra para quem não tem relação afetiva com a vida de Joãosinho. O roteiro não é espetacular, as atuações são irregulares, o longa não tem grandes atrativos. Mas, para quem gosta de carnaval, é uma maravilha ver a construção daquele incrível carnaval de 1974, com direito a disputa de samba, atraso no barracão, bicheiro dando ordem e até sabotagem nas alegorias. É um mundo que nos pertence, mas que raramente é retratado numa obra cinematográfica. Quando nos vemos ali (sim, cada um de nós, sambistas, está naquela tela), a euforia é natural.
Como documento histórico, o filme traz várias "licenças poéticas". Afinal, o carnaval de 1974 não foi a estreia de Joãosinho Trinta como carnavalesco no Salgueiro (foi no ano anterior), o que desencadeou todo o argumento do longa - com a briga com Pamplona e a recusa de Isabel Valença em desfilar. Além do mais, Joãosinho não era canhoto, o samba cantado na disputa era diferente do que foi para a Avenida, o chefe de barracão Tião faz vilanias pouco críveis... Mas veja bem: "Trinta" não é um documentário. Portanto, é natural que algumas situações sejam adaptadas para construir um roteiro ficcional que dê suporte à história que se quer contar. E meu lado jornalista, que fica checando e rechecando fatos obsessivamente, por deformação profissional, faz uma concessão à arte e aceita de bom grado a história de Machline, "livremente inspirado" no Salgueiro de 1974.
A trilha sonora é outro ponto que gostaria de destacar. Esperava entrar mais no universo salgueirense através das canções, mas me surpreendi ao ouvir Cartola, Noel Rosa e Chico Buarque - e não Anescarzinho, Zuzuca e Babão. Apesar desse deslize, o diretor faz uma opção inteligente ao misturar em muitos momentos a música clássica com o samba, remetendo à famosa comparação de Joãosinho Trinta entre o carnaval e a ópera.
No fim do filme, quem esperava conhecer toda a trajetória do carnavalesco sai decepcionado. Mas, a meu ver, esse é o grande trunfo de "Trinta": se prender a um carnaval específico, mostrando a construção daquele que foi o despertar do mito João. Paulo Machline não quis fazer um painel de sua carreira, mostrando momentos marcantes como "Ratos e urubus", por exemplo. Sua intenção foi fazer um recorte da história de João, centrado num episódio definitivo, na preparação de "O rei de França na Ilha da Assombração".
E o objetivo é alcançado: saí do cinema com vontade de estudar ainda mais a vida e a obra do rei do luxo e do lixo. E certo de que sua história daria mais alguns filmes. Pelo menos mais unstrinta.
Confesso que me emocionei em muitas cenas de "Trinta", filme de Paulo Machline que estreou esta semana. Há exatamente um ano atrás, eu lançava meu primeiro livro, "Explode, coração - Histórias do Salgueiro" (Verso Brasil Editora), falando sobre os personagens da vermelho e branco. Para isso, fiz um mergulho profundo na trajetória da escola, e o filme me fez recordar várias das histórias pesquisadas, com pessoas que, de tanto frequentarem meus pensamentos e meus teclados, em certo momento se tornaram íntimas. Nos 90 minutos do longa, me transportei de volta ao mundo de Joãosinho, Pamplona, Laíla, Zeni, Osmar e Isabel Valença, Calça Larga, Zé Di...
Tenho certeza de que esta viagem teria sido maior ainda se eu tivesse visto o filme na pré-estreia, que aconteceu em setembro, no Teatro Municipal. Ali, naquele que foi o palco de João por muitos anos, ao lado de vários amigos seus, a volta no tempo seria inevitável. Mas não estava no Rio à época e acabei só assistindo ao filme agora, quando estreou no circuito. E foi uma alegria ver o carnaval na tela grande do cinema.
Acho até que essa intimidade com os personagens foi o que me fez gostar do filme. Não acho que "Trinta" seja uma grande obra para quem não tem relação afetiva com a vida de Joãosinho. O roteiro não é espetacular, as atuações são irregulares, o longa não tem grandes atrativos. Mas, para quem gosta de carnaval, é uma maravilha ver a construção daquele incrível carnaval de 1974, com direito a disputa de samba, atraso no barracão, bicheiro dando ordem e até sabotagem nas alegorias. É um mundo que nos pertence, mas que raramente é retratado numa obra cinematográfica. Quando nos vemos ali (sim, cada um de nós, sambistas, está naquela tela), a euforia é natural.
Como documento histórico, o filme traz várias "licenças poéticas". Afinal, o carnaval de 1974 não foi a estreia de Joãosinho Trinta como carnavalesco no Salgueiro (foi no ano anterior), o que desencadeou todo o argumento do longa - com a briga com Pamplona e a recusa de Isabel Valença em desfilar. Além do mais, Joãosinho não era canhoto, o samba cantado na disputa era diferente do que foi para a Avenida, o chefe de barracão Tião faz vilanias pouco críveis... Mas veja bem: "Trinta" não é um documentário. Portanto, é natural que algumas situações sejam adaptadas para construir um roteiro ficcional que dê suporte à história que se quer contar. E meu lado jornalista, que fica checando e rechecando fatos obsessivamente, por deformação profissional, faz uma concessão à arte e aceita de bom grado a história de Machline, "livremente inspirado" no Salgueiro de 1974.
A trilha sonora é outro ponto que gostaria de destacar. Esperava entrar mais no universo salgueirense através das canções, mas me surpreendi ao ouvir Cartola, Noel Rosa e Chico Buarque - e não Anescarzinho, Zuzuca e Babão. Apesar desse deslize, o diretor faz uma opção inteligente ao misturar em muitos momentos a música clássica com o samba, remetendo à famosa comparação de Joãosinho Trinta entre o carnaval e a ópera.
No fim do filme, quem esperava conhecer toda a trajetória do carnavalesco sai decepcionado. Mas, a meu ver, esse é o grande trunfo de "Trinta": se prender a um carnaval específico, mostrando a construção daquele que foi o despertar do mito João. Paulo Machline não quis fazer um painel de sua carreira, mostrando momentos marcantes como "Ratos e urubus", por exemplo. Sua intenção foi fazer um recorte da história de João, centrado num episódio definitivo, na preparação de "O rei de França na Ilha da Assombração".
E o objetivo é alcançado: saí do cinema com vontade de estudar ainda mais a vida e a obra do rei do luxo e do lixo. E certo de que sua história daria mais alguns filmes. Pelo menos mais unstrinta.