Question

Renego deste lavrar
e do primeiro que o usou!
Ao diabo que o eu dou,
que tão mau é e aturar!
Oh Jesus! Que enfadamento
e que raiva e que tormento,
que cegueira e que canseira!
Eu hei-de buscar maneira
dalgum outro aviamento.

Coitada! Assim hei-de estar
encerrada nesta casa,
como panela sem asa,
que sempre está num lugar?
E assim hão-de ser logrados
dois dias amargurados
que eu posso durar viva?
E assim hei-de estar cativa
Em poder de desfiados?

Antes o darei ao diabo
que lavrar mais nem pontada:
já tenho a vida cansada
de jazer sempre dum cabo.
Todas folgam, e eu não;
todas vêm e todas vão
onde querem, senão eu.
Hui! Que pecado é o meu
ou que dor de coração?

Esta vida é mais que morte.
Sou eu coruja ou corujo,
ou sou algum caramujo,
que não sai senão à porta?
E quando me dão algum dia
licença, como a bugia,
que possa estar à janela,
é já mais que a Madanela,
quando achou a aleluia.

VICENTE, G. A farsa de Inês Pereira. In: Obras-primas do teatro vicentino. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1980.

Vocabulário

Aviamento: trabalho, despacho.
Bugia: vela de cera.
Desfiados: travesseiros desfiados, cheios de enfeite.
Encerrada: enclausurada, afastada do convívio social.
Folgar: divertir-se.
Lavrar: bordar.
Logrado: empregado.
Madanela: Madalena (personagem bíblica).
Pontada: ponto de costura.
Renegar: rejeitar, desprezar.

A protagonista faz uma análise dos valores de seu tempo, segundo a qual

a) a entrega aos folguedos e aos prazeres da vida é vista como um mal alienante.
b) a religiosidade a que está submetida a mulher é considerada uma escravidão.
c) as tarefas domésticas a que a mulher está obrigada são rotuladas como um fardo.
d) a rotina das obrigações domésticas femininas é renegada por ser costume antiquado.
e) a prática regular feminina dedicada às tarefas do lar é condenada por não ser lucrativa.

Answer 1

Resposta:B

Explicação:Ela crítica a forma como a religião afeta a vida das mulheres, comparando como escravos