redacao do Alienista capitulo 6
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A Câmara recusou aceitá-la, declarando que a Casa Verde era uma instituição
pública, e que a ciência não podia ser emendada por votação administrativa, menos
ainda por movimentos de rua.
—Voltai ao trabalho, concluiu o presidente, é o conselho que vos damos.o vereador fez esta
reflexão:
—Nada tenho que ver com a ciência; mas, se tantos homens em quem
supomos são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é Esta figura corrigiu um pouco o efeito da
outra: Sebastião Freitas prometeu suspender qualquer ação, reservando-se o direito de
pedir pelos meios legais a redução da Casa Verde. E repetia consigo namorado:—
Bastilha da razão humana!
Entretanto a arruaça crescia. Já não eram trinta mas trezentas pessoas que
acompanhavam o barbeiro, cuja alcunha familiar deve ser mencionada, porque ela
deu o nome à revolta; chamavam-lhe o Canjica— Ela provava nessa ocasião um vestido de seda,—um dos trinta e sete
que trouxera do Rio de Janeiro,—e não quis crer.
—Há de ser alguma patuscada, dizia ela, mudando a posição de um alfinete.
Benedita, vê se a barra está boa.
—Está, sinhá, respondia a mucama de cócoras no chão, está boa. Sinhá vira
um bocadinho. Assim. Está muito boa.
—Não é patuscada, não, senhora; eles estão gritando: — Morra o Dr.
Bacamarte!!! o tirano! dizia o moleque assustado.
—Cala a boca, tolo! Benedita, olha aí do lado esquerdo; não parece que a
costura está um pouco enviesada? A risca azul não segue até abaixo; está muito feio
assim; é preciso descoser para ficar igualzinho e...
— Morra o Dr. . D. Evarista chamou pelo marido duas vezes, sem que ele lhe desse
atenção; à terceira, ouviu e perguntou-lhe o que tinha, se estava doente.
—Você não ouve estes gritos? perguntou a digna esposa em lágrimas.
O alienista atendeu então; os gritos aproximavam-se, terríveis, ameaçadores;
ele compreendeu tudo.—Morra! morra! bradaram de todos os
lados, apenas o vulto do alienista assomou na varanda. Simão Bacamarte fez um sinal
pedindo para falar; os revoltosos cobriram-lhe a voz com brados de indignação. Então
o barbeiro, agitando o chapéu, a fim de impor silêncio à turba, conseguiu aquietar os
amigos, e declarou ao alienista que podia falar, mas acrescentou que não abusasse da
paciência do povo como fizera até então.
—Direi pouco, ou até não direi nada, se for preciso. Desejo saber primeiro o
que pedis.
—Não pedimos nada, replicou fremente o barbeiro; ordenamos que a Casa
Verde seja demolida, ou pelo menos despojada dos infelizes que lá estão.
—Não entendo.
—Entendeis bem, tirano; queremos dar liberdade às vítimas do vosso ódio,
capricho, ganância...
O alienista sorriu, mas o sorriso desse grande homem não era coisa visível aos
olhos da multidão; era uma contração leve de dois ou três músculos, nada mais.
Sorriu e respondeu:
—Meus senhores, a ciência é coisa séria, e merece ser tratada com seriedade.
Não dou razão dos meus atos de alienista a ninguém, salvo aos mestres e a Deus. Se
quereis emendar a administração da Casa Verde, estou pronto a ouvir-vos; mas, se
exigis que me negue a mim mesmo, não ganhareis nada. Poderia convidar alguns de
vós em comissão dos outros a vir ver comigo os loucos reclusos; mas não o faço,
porque seria dar-vos razão do meu sistema, o que não farei a leigos nem a rebeldes.
Disse isto o alienista e a multidão ficou atônita; era claro que não esperava
tanta energia e menos ainda tamanha serenidade. Mas o assombro cresceu de ponto
quando o alienista, cortejando a multidão com muita gravidade, deu-lhe as costas e
retirou-se lentamente para dentro.Desde alguns anos que ele forcejava por
ver o seu nome incluído nos pelouros para o sorteio dos vereadores, mas era recusado
por não ter uma posição compatível com tão grande cargo. A ocasião era agora ou
nunca. Demais, fora tão longe na arruaça que a derrota seria a prisão ou talvez a forca
ou o degredo. Infelizmente a resposta do alienista diminuíra o furor dos sequazes. O
barbeiro, logo que o percebeu, sentiu um impulso de indignação e quis bradar-lhes:—
Canalhas! covardes! —mas conteve-se e rompeu deste modo:
Meus amigos, lutemos até o fim! A salvação de Itaguaí está nas vossas mãos
dignas e heróicas. Destruamos o cárcere de vossos filhos e pais, de vossas mães e
irmãs, de vossos parentes e amigos, e de vós mesmos. Ou morrereis a pão e água,
talvez a chicote, na masmorra daquele indigno. —Vamos! bradou Porfírio, agitando o chapéu.
—Vamos! repetiram todos.
Deteve-os um incidente: era um corpo de dragões que, a marche-marche,
entrava na Rua Nova.
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