Português, perguntado por viniciusricardo3, 1 ano atrás

Recado pro bolsinho da camisa
Não sei como você se chama, garoto, mas te vi um dia atravessando o viaduto de concreto.

Caía chuvisco.

Teus cabelos estavam ensopados e a camisa de brim grudada no teu corpo magro e ágil como flecha disparada pelo arco do trabalho.

Você corria saltando no reflexo do asfalto molhado, como bolinha de gude rolada na infância.

Não deu tempo para perguntar teu nome. Tuas pernas finas tinham pressa. Você carregava a maleta de mão com fecho cromado, a dentro dela havia o peso da responsabilidade de papéis sérios e urgentes, que deveriam chegar a um ponto qualquer da Cidade, antes que se fechassem os guichês e portarias.

Outra vez te vi, garoto.

Fazia então um sol redondo e cheio pendurado no travessão do espaço.

Outra vez, teus cabelos úmidos de suor, a camisa de brim manchada, as calças rústicas mostrando a marca da barra que tua mãe soltou de noite, fio por fio, com um sorriso e um orgulho: - O moleque está crescendo!

Não sei como você se chama, garoto.

Te conheço de vista escalando os edifícios, alpinista de elevadores, abridor de picadas na multidão , ponta de lança rompedor nesta briga de foice que são as ruas da Cidade.

Garoto que cresce sob o sol e chuva carregando na maleta cheques, duplicatas, títulos, recibos, cartas, telegramas, tutu, bufunfa, grana e um retrato da menina que te espera na lanchonete.

Teu nome é: - gente.

Inventaram outro nome enrolado para dizer que você é garoto do batente.

Office-boy.

Guri que finta branco, escritório, repartição, fila, balcão, pedido de certidão, imposto a pagar, taxa de conservação, título no protesto e que mata no peito e baixa no terreno quando encontra os olhos da garota da caixa, que pergunta de modo muito legal:
– Tem dois cruzeiros trocados?

Moleque valente que acorda cedo, engole café com pão, fala tchau mesmo, vai pro ponto do ônibus ou estação, se pendura na condução, se vira mais que pião, tem sua turma, conta vantagem, lê jornal na banca, esquenta a marmita, discute a seleção, e depois do almoço bebe um refrigerante gelado e pede uma esfirra com limão.

E depois toca de novo a zunir pela Cidade, conhecido em tudo que é esquina, oi daqui, oi dali, até que a tarde chega e o garoto sai correndo de volta pra casa, vestir o guarda-pó, apanhar a esferográfica, enfiar os cadernos na sacola e enfrentar a escola, o sono, a voz do professor, o quadro-negro, a equação de duas incógnitas, depois de ter passado o dia inteiro gastando sola.

Guri, teu nome é: – gente

Menino de escritório, menino do batente, que agarra o trabalho com unhas e dentes, sem você a Cidade amanheceria paralisada como bicho enorme ao qual houvesse cortado as pernas.

Pois bem: este recado não é para ser entregue a ninguém, a não ser a você mesmo.

Se quiser, guarde-o no bolsinho da camisa.

um dia, quando você estiver completamente crescido, quando tiver bigodes, telefones, papéis importantes para preencher, alguns cabelos brancos; e sua mãe não precisar (ou não puder mais) desmanchar a barra de suas calças que ficaram curtas; quando você tiver de dar ordens de serviço a outros garotos da Cidade, saberá que, para chegar a qualquer lugar, o segredo é não desistir no meio do caminho.

Mas não se esqueça de que as oportunidades não apenas se recebem ou se conquistam.

As oportunidades também devem ser oferecidas para que as pessoas pequenas saibam que seu nome é: – gente.

No futebol da vida, garoto, a parada é dura e a bola, dividida. Jogue o jogo mais limpo que você tiver. Jogue sério.

Não afrouxe se o passe recebido parecer longo demais.

Os mais bonitos gols da vida são marcados pelos que acreditam na força de seu pique.

Ponha esse recado no bolsinho da camisa, guri.

Um dia você descobrirá que a vida nem sempre é a conquista da taça.

A vida é participar do campeonato.

Vai nela, garotão!



1-o cronista emprega vários substantivos, sinônimos , para se referir a sua personagem, Quais são eles? e qual é, para ele, o substantivo que, de fato, corresponde ao nome do jovem?



2-ao retratar as andanças da personagem pela cidade, o cronista emprega um vocabulário relacionado ao campo semântico de um esporte.

a) Qual é esse esporte? justifique
b) Com que finalidade a cronista tem esse procedimento?


3- Como a maioria dos gêneros ficcionais , a Crônica pode ser narrada no presente ou no pretérito.

a) Que tempo verbal predomina na crônica em estudo?
b) Que efeito de sentido a escolha desse tempo verbal confere o texto?

Soluções para a tarefa

Respondido por brubralu
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1. garoto, moleque, guri, gente, garotão -
de fato atribui a ele o  nome "gente"

2.a - o autor localiza a personagem no campo semântico do futebol, ao utilizar termos como pique, jogo, passe, campo, campeonato, gol etc.
2.b O cronista busca mostrar ao garoto que no futuro ele será o técnico de outro ou outros garotos a correr pela cidade ao mesmo tempo em que relaciona a vida levada pelo garoto como um jogo em que o mais importante é competir e não apenas levantara a taça.
3.a No texto predomina o presente do indicativo.
3.b. o texto texto no presente ganha aspecto de atemporal, como se a cada dia novos garotos fossem surgir para executara árdua de função de ofice boy. 
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