QUERER
Rosa era o seu nome, e, como a mulher dos meus sonhos, aquela de quem nunca saberei
todos os segredos e para quem sempre terei uma história nova; era misteriosa, elegante, cheia de
enigmas. Suas linhas perfeitas escondiam-lhe muito bem a idade. Muito se contava a seu respeito.
Grandes aventuras, viagens perigosas. Todos na ilha a conheciam.
Não resisti, e fui ter com ela. E, desde a hora em que deitei os olhos em suas doces curvas, não
descansei mais até que fosse minha. Pertencia a um velho pescador, e não foi fácil fazê-lo entender
esta súbita paixão.
Rosa IX, linda e encantadora canoa de nobre madeira, o caubi, nove metros talhados de
uma única tora, linhas perfeitas, traço fino, estilo apurado, um verdadeiro caso de amor. Foi no Natal
de 1977, na ilha de Santo Amaro, e, fechado o negócio, eu nem pensara em como levá-la até
Paraty. Fomos juntos, por mar, e vivi então a minha primeira travessia, a sós, por dois dias e uma noite.
Não mudei o seu nome quando fui registrá-la porque creio que todo barco adquire uma certa
personalidade com o nome de batismo, especialmente uma canoa. Eu já sofria de uma crônica
atração por canoas. A primeira que tive foi Max, uma pequenininha, azul e branca, feita de cedro,
que comprei aos dez anos de um pescador chamado Iraci. Ele não queria vendê-la, mas tanto insisti
que acabou aceitando os setenta cruzeiros que me emprestara um tio.
Canoa marinheira, rápida e graciosa, só mais tarde vim a saber que Max havia sido feita pelas
competentes mãos de Mané Santos, um dos mestres construtores mais respeitados de toda a baía da
Ilha Grande. Max seria a primeira de uma longa série de paixões que guardo até hoje em perfeito
estado de conservação; nela aprendi a reconhecer os ricos detalhes de uma arte em extinção: a
construção artesanal de embarcações primitivas. Comecei a entender os variados tipos de
embarcações em função principalmente dos traços e diferenças culturais de cada região, e fiz uma maravilhosa descoberta: o Brasil é no mundo o país mais rico em diversidade de estilos, feitios e
técnicas de construção naval primitiva — pelo menos duas centenas de diferentes tipos de
embarcações de formas belíssimas, dezenas de tipos de jangadas, canoas com características
próprias e fascinantes em cada pedacinho de costa, em cada trecho de rio. Tradições orais que
seguem de pai para filho, transportando pelo tempo as mais ricas influências. Um patrimônio cultural
de incalculável valor, autêntico e desconhecido, que se transforma e desaparece pouco a pouco.
Verdadeiras esculturas flutuantes, pescando ou levando carga por essa costa afora, viageiras
incansáveis, valendo só pelo que podem servir e não, ainda não, pelo que são — obras de arte ainda
vivas.
A Faísca era uma delas — escultural canoinha que resolvi dotar de velas. Descobri então que
a arte do manejo dessas embarcações também morre. Quantas emborcadas dei, em rondadas de
vento, até descobrir de quantos panos eram feitas suas velas originais. Quanta alegria quando, ao
aportar em prainhas distantes, na baía de Paraty, ressuscitava em velhos pescadores recordações
sobre grandes travessias a remos de voga, fabulosas histórias de velas enfunadas por sopros
misteriosos em noites de calmaria! Aprendi a reconhecer as madeiras para cada tipo de canoa, para
cada fim; remos, vergas, mastros ou bolinas. E não deixava de admirar, pela alma, uma nobre
canoa...
A Rosa era de nobre alma. Um corte com talvez cem anos de idade, sem um único defeito,
lhe dera origem. Um velho caubi, madeira rara e eterna, mas que exige marinheiros atentos, pois não
gosta de flutuar. Se não foi meu primeiro amor, foi a maior canoa que tive. Sincera. Sabia dizer não.
Como num dia de pouco juízo, quando eu quis embarcar um casal de búfalos, para um amigo, até
Ilha Grande, quarenta milhas ao norte.
No caminho fiz escala na prainha do Jurumim, depois de perfeita travessia; mas uma semana
mais tarde, ao tornar a partir com os animais empanturrados de capim novo, ela refugou. A carga
quieta a bordo, com algumas arrobas a mais, e ela achou por bem não desencalhar. Sem dúvida,
fomos salvos pela Rosa.
A partir de 1980, em razão de um acidente, fiquei por dois anos sem poder remar. A Rosa
tornou-se então uma companheira constante nos fins de semana. Tinha ela, ainda não contei, um
pequeno e esforçado motor. Fizemos muitas viagens fantásticas durante esse tempo, passando por
apuros que ficaram para sempre em “nossa” memória.
Dias inteiros de calmaria, noites de ardentia, dedos no leme e olhos no horizonte, descobri a
alegria de transformar distâncias em tempo. Um tempo em que aprendi a entender as coisas do mar,
a conversar com as grandes ondas e não discutir com o mau tempo. A transformar o medo em
respeito, o respeito em confiança. Descobri como é bom chegar quando se tem paciência. E para se
chegar, onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso,
antes de mais nada, querer.
Proposta: produza um resumo do texto acima.
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Resposta:
ardentia, dedos no leme e olhos no horizonte, descobri a
alegria de transformar distâncias em tempo. Um tempo em que aprendi a entender as coisas do mar,
a conversar com as grandes ondas e não discutir com o mau tempo. A transformar o medo em
respeito
biancabreviglip8myb5:
Não entendi
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