“Quatro pessoas foram encontradas mortas em um sobrado no centro da cidade. A chacina chocou o então menino Boris Fausto, de apenas 8 anos de idade. À época, jornalistas, policiais e juristas, além do juiz e do júri, tentaram solucionar o crime, cada qual à sua maneira. Nada feito. O principal suspeito foi julgado e absolvido. O processo foi arquivado.
Mais de setenta anos depois, o autor de clássicos da historiografia brasileira como Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo e A Revolução de 30 resolveu reabrir o caso. Fausto releu notícias de jornais da época e revirou os quatro volumes que compunham o processo judicial para tentar recompor a narrativa do crime.
Embora o autor assuma o lado detetive que todo bom historiador guarda dentro de si, seu objetivo não seria levantar suspeitas sobre a identidade do assassino, até hoje desconhecida. Ele se propõe a desvendar os fios da história que levou à prisão um homem negro, acusado de assassinar um casal de chineses e dois de seus empregados, um lituano e um brasileiro.”
Baseando-se na leitura da reportagem, EXPLIQUE como é possível associar o trabalho do historiador ao do detetive.
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Resposta:
O caso que descrevo é imaginário, mas bem poderia ser real. O ambiente é a sessão final de um julgamento por homicídio. O suposto assassino é acusado de matar um funcionário do alto escalão do governo federal, numa dessas tramas cinematográficas que aproximam crime e poder. O acusado seria o maior beneficiário dessa morte.
Explicação:Leônidas da Silva, conhecido pelo apelido “Diamante Negro” e famoso por popularizar a bicicleta no futebol, teve seu perfil associado ao de Arias de Oliveira, acusado de cometer o crime analisado no livro de Boris Fausto (foto: reprodução).
Ao explorar o processo de investigação e julgamento de Arias de Oliveira no crime do restaurante chinês, Boris Fausto faz uma cuidadosa análise dos fundamentos da Justiça no Brasil dos anos 1930, das concepções de direito então vigentes e da relação entre as ideias jurídicas e as práticas judiciárias.
Além disso – o que é fundamental para qualquer análise da Justiça –, o autor não deixa de prestar atenção nas pessoas que compunham o júri e nas suas próprias concepções sobre o comportamento criminoso. A partir daí, ele analisa o próprio andamento do processo, a influência da mídia (na época, os jornais) e a maneira como o julgamento foi conduzido.
Tudo isso estaria apenas no plano do pitoresco, não fosse o talento do historiador para usar esse longo processo criminal como uma porta de entrada para análises muito mais amplas. Fausto usa esse caso para discorrer sobre a criminalidade em São Paulo nos anos 1930, o funcionamento da Justiça e a discussão jurídica e psicológica sobre o comportamento humano em atos extremos, como é o crime.
É, assim, como bom exemplo de micro-história, que o livro é melhor lido. Não apenas por conta das relações entre macro e micro-história. Mas porque, ao analisar a sentença e se perguntar se ela seria diferente caso as vítimas fossem outras – membros de uma família tradicional, em vez de imigrantes, por exemplo –, Fausto se recusa a reforçar clichês sobre as relações entre criminalidade e racismo, sobre a parcialidade da Justiça, sobre a intromissão da mídia.
Ao concluir assim o livro – e mais não conto para não tirar do leitor o prazer de descobrir por si só o real desfecho da história –, Boris Fausto abre espaço para a reflexão sobre a imprevisibilidade e a incerteza que caracterizam o comportamento humano. Assim como a história.