Português, perguntado por lola0716, 10 meses atrás

Qualidade de morte

Até meados do século 20, dava quase na mesma ser pobre ou rico na hora de morrer: iam-se todos de modo semelhante, pois as doenças ignoravam privilégios.

Diante da tuberculose, por exemplo, não havia ouro que comprasse sofrimento menor ou alguma sobrevida: morriam afogados, na derradeira hemoptise, tanto os operários de Manchester estudados por Engels como os burgueses dos quais nos fala Thomas Mann em “A Montanha Mágica”.

Com o avanço da ciência, porém, tudo parece ter mudado. Hoje há muitos que acreditam que o dinheiro, além de comprar uma vida mais “rica”, também garante a qualidade da morte: por meio dele, os abastados despedem-se deste mundo no ambiente glamuroso de “hospitais boutique”, sob os cuidados dos “médicos da moda”. Mas será que as coisas são tão simples?

Por um lado, ainda que a pobreza torne a vida difícil, é ingênuo pensar que a riqueza, por si só, seja capaz de resolver os enigmas que a existência nos impõe, magnatas ou não. E o remorso não raro corrói a paga que os “eleitos” recebem por sua ganância.

Se isso não é tão claro, é porque a maioria das pessoas desconhece a intimidade dos poderosos, sempre dilacerada por conflitos: os psicoterapeutas e os próprios poderosos sabem bem do que falo. Por outro lado, o acesso à medicina “de ponta” nem sempre é garantia de boa recuperação ou de morte tranquila, além de dar origem a paradoxos.

Um exemplo é a angústia que destrói a saúde dos que sofrem, no presente, com as moléstias que – imaginam – terão no futuro. Martirizam-se, assim, por não terem um plano de saúde “top”, o qual já se tornou, ao lado do carro “zero”, o atual sonho de consumo.

Para essa angústia contribuem, crucialmente, a propaganda dos centros diagnósticos – que não param de crescer – e a ingenuidade de médicos que confundem prevenção com obsessão por doenças.

Outro exemplo é o caso dos doentes terminais mantidos vivos mesmo à custa de muita dor, bem como a insensatez de uma legislação que proíbe a eutanásia para as pessoas que dela necessitam, condenando-as, cruelmente, ao papel de axiomas de grotesca tese: a de que a vida deve ser sempre preservada, “coûte que coûte”...

Mas, já que a morte segue inevitável – muito embora a publicidade procure nos convencer de que somos imortais –, não seria melhor que encarássemos a vida de outro modo, empregando-a não só para “conquistar um lugar ao sol” mas também para aceitar um “cantinho” nas sombras para onde iremos todos? Não seria importante que aprendêssemos a morrer, buscando, se preciso, nas ideias de outras épocas a espiritualidade que tanta falta nos faz?

Infelizmente, não é o que vemos. Ao ideal da morte honrosa dos gregos, da morte-libertação dos gnósticos, da boa morte dos cristãos medievais, da morte heroica dos românticos, nós contrapomos a “morte segura” no leito high-tech de um hospital chique, transfixados por catéteres e “plugados” na TV. Uma morte que é o símbolo perfeito da doença que acomete a nossa civilização e que, decerto, vai matá-la: o conformismo hedonista.
CLÁUDIO L. N. GUIMARÃES DOS SANTOS, 50, escritor, artista plástico, médico e diplomata, é mestre em artes pela ECA-USP e doutor em Linguística pela Universidade de Toulouse-Le Mirail (França). Blog: http://perplexidadesereflexoes.blogspot.com

 

Para a composição da 1ª sentença de cada alternativa foram transcritas, com adaptações, orações do texto. Assinale a alternativa em que a alteração proposta, na 2ª sentença das alternativas, contradiz o que é exigido pela prescrição gramatical quanto à concordância verbal.

A

1ª) Iam-se todos de modo semelhante. / 2ª) Ia-se todos de modo semelhante.

B

1ª) Há muitos que acreditam que o dinheiro garante qualidade da morte. / 2ª) Existem muitos que acreditam que o dinheiro garante qualidade da morte

C

1ª) A maioria das pessoas desconhece a intimidade dos poderosos. / 2ª) A maioria das pessoas desconhecem a intimidade dos poderosos.

D

1ª) Para essa angústia contribuem a propaganda e a ingenuidade. / 2ª) Para essa angústia contribui a propaganda e a ingenuidade

Soluções para a tarefa

Respondido por fschmidtespig
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Resposta:

Letra A

Explicação:

Confia no pai

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