qual era a visão de antonio gramsci sobre senso comum?
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Resposta:
ExplicaçãoO italiano Antonio Gramsci desenvolveu uma interpretação bastante original da filosofia de Marx. Para ele, a perspectiva do pensador alemão era a de um "historicismo absoluto". No essencial, o pensamento de Marx nos desafia - sempre! - a pensar historicamente. E esse desafio nos põe diante tanto de possibilidades magníficas como de dificuldades colossais.
Pesa sobre nós uma tradição negativa, que se fortaleceu muito ao longo dos séculos XVII e XVIII, segundo a qual o "senso comum" é depositário de tesouros de sabedoria. Gramsci admitia que o "senso comum" possuía um caroço de "bom senso", a partir do qual poderia desenvolver o espírito crítico. Advertia, contudo, para o risco de uma superestimação do "senso comum", cujos horizontes, afinal, são inevitavelmente muito limitados. O "senso comum é, em si mesmo, "difuso e incoerente". A percepção da realidade, no âmbito desse campo visual estreito, não poderia deixar de ser- segundo o teórico italiano - drasticamente "empírica", restrita à compreensão imediata, superficial.
Em sua origem, o termo "ideologia" compactuava, implicitamente, com uma valorização exagerada da força da percepção sensorial. Gramsci se referiu ao fato de que o primeiro conceito de ideologia foi elaborado por filósofos franceses vinculados a um "materialismo vulgar", teóricos que pretendiam decompor as idéias até chegarem aos "elementos originais" delas, quer dizer, até chegarem às "sensações", das quais, supostamente, as idéias derivavam. Tratava-se, assim, de uma concepção "fisiológica" da ideologia (GRAMSCI, 1977, p. 453).
Marx e Engels, os "fundadores da filosofia da práxis", submeteram essa concepção a uma crítica vigorosa. Tornaram-se, filosoficamente, os representantes de um pensamento que implicava "uma clara superação" ("un netto superamento") da ideologia (GRAMSCI, 1977, p. 1.491). No entanto, adotaram o termo, conferindo-lhe, naturalmente, um sentido pejorativo.
Para Marx e Engels, a ideologia fazia parte da "supra-estrutura", e como tal deveria ser criticamente analisada. As construções supra-estruturais combinam elementos de conhecimento e expressões de pressões prejudiciais à universalidade do conhecimento. A ideologia, na acepção em que Marx e Engels usam a palavra, torna-se, na supra-estrutura, um fator de equívocos, "un elemento di errore", segundo Gramsci (GRAMSCI, 1977, p. 868). E o principal equívoco, aquele que costuma se verificar com maior frequência, é aquele que consiste numa visão "ideológica" da ideologia e que resulta numa desqualificação dos fenômenos ideológicos.
O pensador italiano explicava: "O processo desse erro pode ser facilmente reconstituído. 1) A ideologia é identificada como distinta da estrutura e se afirma que não sào as ideologias que mudam a estrutura, mas, ao contrário, é a estrutura que muda as ideologias: 2) afirma-se que determinada solução política é ´ideológica`, isto é, insuficiente para mudar a estrutura, quando acredita que poderia mudá-la; afirma-se, então, que ela é inútil, estúpida, etc ; 3) passa-se, por fim, a afirmar que toda ideologia é ´pura` aparência, é inútil, estúpida, etc." (GRAMSCI, 1977, p. 868).
Essa desqualificação ilimitada, generalizada, impede a perspectiva comprometida com a superação das distorções ideológicas (a perspectiva de Marx e Engels) de reconhecer concretamente as diferenças significativas que existem no interior do campo da ideologia. E dificulta enormemente ao crítico das limitações da ideologia reconhecer a complexidade dos elementos ideológicos presentes no seu próprio pensamento.
Difunde-se um estado de espírito pragmático, imediatista, utilitário, cínico, que tende a subestimar a riqueza do significado das criações culturais. Generaliza-se uma crise de valores. Em resoluta oposição a essa tendência, o filósofo não hesitava em reivindicar a "honestidade científica" e a "lealdade intelectual" (GRAMSCI, 1977, pp. 1.840 e 1.841).
Gramsci exemplificava com um episódio extraído da história da Igreja: "Na discussão entre Roma e Bizâncio sobre a proveniência do Espírito Santo, seria ridículo procurar na estrutura do Oriente europeu a afirmação de que o Espíto Santo provém somente do Pai e na estrutura do Ocidente a afirmação de que ele provém do Pai e do Filho. A existência e o conflito das duas igrejas dependem da estrutura de toda a história, mas no caso elas puseram questões que são princípio de distinção e de coesão interna para cada uma delas. Podia acontecer, contudo, que qualquer uma das duas igrejas tivesse afirmado o que a outra afirmou; o princípio de diferenciação e conflito continuaria a ser o mesmo. E é esse problema da distinção e do contraste que constitui o problema histórico e não a bandeira casual empunhada por cada uma das partes" (GRAMSCI, 1977, p. 873).