Qual a diferença do Padre Cícero e outros líderes religiosos místicos do Sertão?
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Resposta:
Há quem acredite que Cícero Romão Batista, o padre do sonho, até hoje zela não só por Juazeiro do Norte, situada a cerca de 530 quilômetros de Fortaleza, com pouco mais de 250 mil habitantes – cidade que ele fundou –, como por Crato (121 mil habitantes) –, que o viu nascer em 1844. E uma imagem sua, de 27 metros de altura, se impõe, fincada no alto da serra do Catolé, na parte denominada de Horto pela população desde o final do século XIX, em alusão ao Horto das Oliveiras, local onde Jesus Cristo teria passado suas últimas horas antes de ser preso e condenado à morte na cruz. Era no Horto que Cícero costumava descansar.
A vida do “Padim Ciço” dos romeiros e fiéis, mais amado e controvertido mito religioso do sertão – santo para uns, “coronel de batina” para outros –, pode ser dividida em dois atos distintos. No primeiro, as luzes se dirigem para o Cícero religioso e mostram cenas como as do pároco amargurado com o sofrimento de seu rebanho com a seca, o “milagre” da transformação em sangue da hóstia recebida pela beata Maria de Araújo durante a comunhão, os conflitos com o bispado cearense desencadeados pelo fenômeno, a proibição de rezar missa e, por fim, sua aclamação ainda em vida como santo pelos sertanejos.
O religioso
“O nome do padre Cícero / ninguém jamais manchará, / porque a fé dos romeiros / viva permanecerá, / pois nos corações dos seus / foi ele um santo de Deus / é e pra sempre será.” Tema de incontáveis folhetos de cordel espalhados pelas feiras sertão afora, Cícero Romão Batista provavelmente passaria a vida inteira como mais um obscuro e anônimo pároco de aldeia. Afinal, nada de extraordinário acontecera a ele desde que chegara ao povoado. Nada, até aquela madrugada de sexta-feira, 6 de março de 1889. Durante a comunhão, bem cedo na madrugada, após uma noite de vigília e orações com outros fiéis na capela de Nossa Senhora das Dores, ao receber a hóstia pelas mãos de padre Cícero, a beata Maria de Araújo sentiu um gosto de sangue. Só aí notou que metade da hóstia consagrada (a outra ela havia engolido) sangrara ao contato com sua boca. Cícero guardou no sacrário o pano manchado de sangue entregue pela beata, e ordenou a ela que se mantivesse em silêncio.
O fenômeno se repetiu várias vezes na Quaresma até o dia em que a Igreja comemora a Ascensão de Cristo. Mesmo assim, Cícero manteve segredo, que durou até o dia em que monsenhor Francisco Rodrigues Monteiro, figura de grande prestígio, chamou o povo do Crato para uma peregrinação ao povoado vizinho de Joaseiro. Na capela, diante de 3 mil atônitos fiéis, mostrou o pano dizendo que o tecido estava impregnado com o sangue de Cristo. Médicos e autoridades foram checar o fenômeno e não encontraram nenhuma explicação natural. Joaseiro rapidamente se tornou um centro de romaria e devoção. De todos os lados, vinham pessoas para ver a beata e adorar o pano manchado de sangue.
Descontentes com a repercussão dos acontecimentos, as autoridades eclesiásticas do Ceará acusaram Cícero de heresia, proibiram o culto ao pano ensanguentado e impuseram uma retratação ao padre. O pároco viajou então a Roma, onde teve uma audiência com o Papa Leão XII. Absolvido, voltou com a permissão de continuar celebrando missa. Porém, dom Joaquim Vieira, bispo do Ceará, determinou que, enquanto não viesse de Roma o decreto de reabilitação, o sacerdote não poderia celebrar missa nem ministrar os sacramentos ou fazer sermões. De nada adiantou a proibição. Naqueles confins dominados por latifundiários e cangaceiros, onde vicejava uma religiosidade espontânea e mística, o mito do “Santo de Joaseiro” já estava consolidado.