Quais movimentos foram marcados pelo desejo que a população de participar ativamente da vida pública e assumir de fato o poder? *
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Resposta:
As chamadas teorias da transição democrática constituíram, sem dúvida, um dos filões mais profícuos da teoria social contemporânea nas duas últimas décadas, tendo reunido, em seu bojo, uma vasta gama de estudos e diagnósticos cuja qualidade acadêmica, vis-à-vis seus propósitos específicos, permanece inquestionada. Não obstante, a ampla radiografia institucional dos processos recentes de democratização na América Latina e em outras partes orientada por tal abordagem parece ter subestimado aspectos importantes de tais movimentos históricos, relegando a um segundo plano de análise dimensões e atores centrais das transformações observadas
explicaçao:Alguns autores (dentre outros, Alvarez, Dagnino e Escobar, 1997; Avritzer, 1996) mostraram que as teorias da transição, ao privilegiarem um conceito de democracia centrado unicamente na vigência de "instituições" democráticas (eleições livres, direitos civis garantidos, normalidade da atividade parlamentar etc.), confinaram o estudo da democratização à esfera institucional, ignorando "o hiato entre a existência formal de instituições e a incorporação da democracia às práticas cotidianas dos agentes políticos" (Avritzer, 1996, p. 136). Para deslindar os processos sociais de transformação verificados no escopo da democratização, as investigações teriam, portanto, que penetrar o tecido das relações sociais e da cultura política gestada nesse nível, revelando as modificações aí observadas. Ao mesmo tempo, rompendo o véu do discurso institucional universalista, esses estudos necessitariam debruçar-se sobre os padrões concretos de relacionamento entre o Estado e a sociedade civil, analisando o papel de atores como movimentos sociais, organizações não-governamentais etc. para a operação de transformações em tais relações.
Se as teorias da transição apresentam problemas que dificultam a compreensão apropriada dos processos de democratização a partir dos diferentes níveis da topografia social em que eles se dão, a bibliografia específica sobre os movimentos sociais tampouco preenche as lacunas aí verificadas. Apenas alguns poucos trabalhos apresentam, explicitamente, a preocupação de articular resultados de pesquisa obtidos com uma reflexão abrangente, orientada na perspectiva da teoria democrática. Vinculados, em geral, aos campos da Sociologia e da Antropologia, a maior parte dos estudos disponíveis — muitos deles extremamente meritórios quanto aos objetivos que almejam — pouco auxilia no debate acerca dos modelos de democracia que estão sendo construídos e dos papéis desempenhados pelos diferentes atores nas formas políticas emergentes.
Os demais trabalhos sobre movimentos sociais, voltados para a investigação das formas específicas de contribuição dos novos atores sociais à construção da democracia, acabam privilegiando, paradoxalmente, a perspectiva institucionalista das teorias da transição (ver Paoli, 1992). Nesse caso, não é surpreendente que seus autores clamem por maior empenho institucional dos movimentos sociais ou enfatizem, como mostram Alvarez, Dagnino e Escobar (1997, p. 21), "their inability to transcend the local and engage in the realpolitik necessitated by the return of representative democracy".
Ora, a contribuição dos movimentos sociais para a democratização certamente não será aquela que cabe a atores como sindicatos ou partidos políticos. Os movimentos sociais apresentam perfis organizativos próprios, uma inserção específica na tessitura social e articulações particulares com o arcabouço político-institucional. Ainda que não se pretenda reacender a chama antiinstitucionalista que orientou muitos dos trabalhos sobre movimentos sociais nos anos 80 (ver, por exemplo, Evers, 1984), parece necessário reconhecer que as contribuições democratizantes desses movimentos não podem ser enxergadas unicamente a partir das instâncias institucionais, esperando-se deles o aperfeiçoamento dos mecanismos de intermediação de interesses ou a renovação da vida partidária, minada em países como o Brasil pelas velhas práticas autoritárias e pelos novos casuísmos. Suas possibilidades residem precisamente em seu "enraizamento" em esferas sociais que são, do ponto de vista institucional, pré-políticas. E é no nível de tais órbitas e da articulação que os movimentos sociais estabelecem entre estas e as arenas institucionais que podem emergir os impulsos mais promissores para a construção da democracia