Preciso de uma crônica sobre algum objeto
augustov218ozgqdf:
como assim um objeto
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De repente, você perde algo de que precisa. Estava na sua mão pouco antes, você até se lembra de ter posto em tal lugar, mas já não o encontra, nem no tal lugar nem em canto algum. Você e o objeto não saíram de casa, e em casa ele não está.
Diferente é perder um bem qualquer na rua, caiu da bolsa ou do bolso, você até sabe quando foi, naquela hora em que pegou o lenço ou a carteira. Caiu, já não é seu, foi-se. Improvável que alguém o ache, mais improvável ainda que achando o devolva, a única coisa a fazer é se conformar.
Sendo em casa, tudo muda. A coisa que você procura, que começou a buscar despreocupadamente, ainda sem suspeitar da perda, está ali em algum lugar, disponível mas oculta. Você tem a sensação de que basta olhar de outra maneira, mais intensa talvez, mais percuciente. Ou mais inocente, olhar como se nunca tivesse visto essa casa, esses móveis, essas estantes.
A presença escondida se torna um desafio.
Você começa refazendo o caminho que julga ter seguido quando ainda tinha o objeto na mão, vai até o lugar onde está certo de tê-lo posto, e se ajoelha procurando no chão, tira almofadas, afunda a mão no estofamento, arrasta poltronas. Nada. No entanto, você tem certeza, colocou o objeto ali justamente para não esquecer, marcou mentalmente o lugar, agiu de acordo com a lógica. E agora sofre porque o desaparecimento daquilo de que você precisa com urgência, para terminar um trabalho ou para levar ao encontro já marcado, implode a lógica.
É como se aquilo que você procura tivesse sido tragado por um portal e passado para outra dimensão. Mas o portal não se abre para você.
Não é o mesmo mistério das meias sem par, idêntico em todas as casas, na vida de todos os homens — as mulheres escaparam dessa maldição ancestral graças à invenção da meia-calça. Quando uma meia some, tornando inútil a companheira com que formava par, a regra é esperar para ver se a outra aparece, mesmo sabendo que a solitária passará meses e meses abandonada no fundo de uma gaveta antes de sucumbir à desistência e ser jogada fora. Para as meias há duas versões possíveis. A mais generalizada diz que foram devoradas pela máquina de lavar roupa, que delas se alimenta. A mais sutil está ligada à precariedade das relações, a dificuldade de se manter o par até o desuso, como se a meia que partiu tivesse ido por fastio, cansaço da companheira. Seja qual for a versão, é norma universal incluir o sumiço entre os fenômenos da natureza.
Não há nada natural, porém, em perder algo consistente, sólido, dentro da própria casa.
A próxima etapa é permitir-se pausas. Tratar de outras coisas, sentar diante do computador para escrever a crônica da semana, ligar a televisão para ouvir o noticiário. Espera-se que, iludido por esses disfarces, o objeto saia do seu esconderijo ou que se apiade e volte para aquele mesmo lugar onde você estava certo de tê-lo colocado.
Você se ocupa com outras tarefas, mas o espinho permanece cravado na consciência, e a culpa. Você sabe que houve um deslize na sua atenção, uma traição das sinapses, e que por uma fração de segundo a sua mão, como mão alheia, depositou o objeto em lugar totalmente diferente daquele que você pensa lembrar.
Quando terminar o que está fazendo, é certo que dará mais uma busca. Mas sem tanta convicção, já sabendo que agora, só com a ajuda de São Longuinho.
Crônica de Quinta: O objeto perdido
Diferente é perder um bem qualquer na rua, caiu da bolsa ou do bolso, você até sabe quando foi, naquela hora em que pegou o lenço ou a carteira. Caiu, já não é seu, foi-se. Improvável que alguém o ache, mais improvável ainda que achando o devolva, a única coisa a fazer é se conformar.
Sendo em casa, tudo muda. A coisa que você procura, que começou a buscar despreocupadamente, ainda sem suspeitar da perda, está ali em algum lugar, disponível mas oculta. Você tem a sensação de que basta olhar de outra maneira, mais intensa talvez, mais percuciente. Ou mais inocente, olhar como se nunca tivesse visto essa casa, esses móveis, essas estantes.
A presença escondida se torna um desafio.
Você começa refazendo o caminho que julga ter seguido quando ainda tinha o objeto na mão, vai até o lugar onde está certo de tê-lo posto, e se ajoelha procurando no chão, tira almofadas, afunda a mão no estofamento, arrasta poltronas. Nada. No entanto, você tem certeza, colocou o objeto ali justamente para não esquecer, marcou mentalmente o lugar, agiu de acordo com a lógica. E agora sofre porque o desaparecimento daquilo de que você precisa com urgência, para terminar um trabalho ou para levar ao encontro já marcado, implode a lógica.
É como se aquilo que você procura tivesse sido tragado por um portal e passado para outra dimensão. Mas o portal não se abre para você.
Não é o mesmo mistério das meias sem par, idêntico em todas as casas, na vida de todos os homens — as mulheres escaparam dessa maldição ancestral graças à invenção da meia-calça. Quando uma meia some, tornando inútil a companheira com que formava par, a regra é esperar para ver se a outra aparece, mesmo sabendo que a solitária passará meses e meses abandonada no fundo de uma gaveta antes de sucumbir à desistência e ser jogada fora. Para as meias há duas versões possíveis. A mais generalizada diz que foram devoradas pela máquina de lavar roupa, que delas se alimenta. A mais sutil está ligada à precariedade das relações, a dificuldade de se manter o par até o desuso, como se a meia que partiu tivesse ido por fastio, cansaço da companheira. Seja qual for a versão, é norma universal incluir o sumiço entre os fenômenos da natureza.
Não há nada natural, porém, em perder algo consistente, sólido, dentro da própria casa.
A próxima etapa é permitir-se pausas. Tratar de outras coisas, sentar diante do computador para escrever a crônica da semana, ligar a televisão para ouvir o noticiário. Espera-se que, iludido por esses disfarces, o objeto saia do seu esconderijo ou que se apiade e volte para aquele mesmo lugar onde você estava certo de tê-lo colocado.
Você se ocupa com outras tarefas, mas o espinho permanece cravado na consciência, e a culpa. Você sabe que houve um deslize na sua atenção, uma traição das sinapses, e que por uma fração de segundo a sua mão, como mão alheia, depositou o objeto em lugar totalmente diferente daquele que você pensa lembrar.
Quando terminar o que está fazendo, é certo que dará mais uma busca. Mas sem tanta convicção, já sabendo que agora, só com a ajuda de São Longuinho.
Crônica de Quinta: O objeto perdido
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