Preciso de uma crônica
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Escrevo aqui no quintal onde imaginei o futuro. Está diferente, o meu pai cortou as laranjeiras e refez o muro, que já não tem heras. A serragem e os eucaliptos que vão dar ao Poço das Freiras ainda ali estão, quase como no tempo em que acabava o dia no terraço a ver passar os carros e magicar no que ia ser, como tudo ia ser.
A casa não é a mesma, acho que parte do espírito deste lugar morreu com a minha mãe. As casas também morrem e morrem mais depressa quando as mulheres que as habitam partem. Foi assim aqui, mas o dia está bonito, está um céu azul e vi um milhafre a pairar à altura da copa dos pinheiros. Há rosas vermelhas junto ao candeeiro da entrada e ouço as rãs no ribeiro, são sons infância, isto das rãs e da água a correr.
Na estante da sala permanecem os livros que li há 20 anos, alguns há 30. Até descobri os bilhetes de avião de viagens que fiz em 1997 e os testes de História do 10º ano com o Muito Bom no cabeçalho, mas também vi vários Suficientes Menos em Inglês. A minha mãe morreu e deixou-me esta mania de guardar com afinco e carinho tanto os sucessos como os desastres. Acho que é para não esquecer quem sou.
As galinhas começaram a cantar, pelo jeito há ovos, o meu pai quer que leve uma dúzia, são frescos e melhores do que aqueles do supermercado, fazem omoletes mais gostosas. Eu sei, sei quase tudo sobre a vida por aqui. Sei quando se devem podar as roseiras e que as azáleas florescem por esta altura, mas não posso negar que existe alguma estranheza. Não é bem o meu quintal, nem o meu terraço, as varandas são outras e até o chão tem ladrilhos.
Eu fui atrás do que imaginei, quis muito ser a pessoa que aquela rapariga de 16 anos sonhou, aquela que escrevia com letras redondas nas folhas de teste da Jaime Moniz. Já não me lembrava, a turma era a 29, o meu número de aluno o 8. E fora as notas a Inglês e Francês, as provas mostram um percurso bom. Não tão bom como a minha mãe queria, nem onde queria. Ela imaginara-me de bata branca a atender doentes no hospital, eu tinha outros planos, seria uma mistura de artista, de intelectual, um híbrido do Indiana Jones dos filmes.
Eis-me aqui, no quintal de uma casa que guarda memórias e não parece minha, depois de remexer em papéis, de ler cartas e ver fotografias do ensaio do teatro do grupo de jovens. Lá estou eu com 14 anos no meio de raparigas de cabelo armado e de rapazes com bigode. Tudo parece ter sido há uma eternidade. E foi, foi até noutro século. Os cartões de telefones pré-pagos da TMN, as cassetes e uma disquete provam isso tudo.
Não sei o que está nas cassetes, nem na disquete e não tenho maneira de saber. Não se fazem computadores para disquetes e os leitores de cassetes áudio estão avariados por 18 anos de pó e esquecimento. São muitos anos. O tempo passou por mim e por aqui desde o dia em que fiz as malas e me mudei, tinha 29 anos e era chegado o momento de seguir caminho. A única ilusão que guardei foi a que teria sempre esta casa para voltar, tal e qual como a deixara.
Não era verdade, as casas morrem quando as mulheres partem...
A casa não é a mesma, acho que parte do espírito deste lugar morreu com a minha mãe. As casas também morrem e morrem mais depressa quando as mulheres que as habitam partem. Foi assim aqui, mas o dia está bonito, está um céu azul e vi um milhafre a pairar à altura da copa dos pinheiros. Há rosas vermelhas junto ao candeeiro da entrada e ouço as rãs no ribeiro, são sons infância, isto das rãs e da água a correr.
Na estante da sala permanecem os livros que li há 20 anos, alguns há 30. Até descobri os bilhetes de avião de viagens que fiz em 1997 e os testes de História do 10º ano com o Muito Bom no cabeçalho, mas também vi vários Suficientes Menos em Inglês. A minha mãe morreu e deixou-me esta mania de guardar com afinco e carinho tanto os sucessos como os desastres. Acho que é para não esquecer quem sou.
As galinhas começaram a cantar, pelo jeito há ovos, o meu pai quer que leve uma dúzia, são frescos e melhores do que aqueles do supermercado, fazem omoletes mais gostosas. Eu sei, sei quase tudo sobre a vida por aqui. Sei quando se devem podar as roseiras e que as azáleas florescem por esta altura, mas não posso negar que existe alguma estranheza. Não é bem o meu quintal, nem o meu terraço, as varandas são outras e até o chão tem ladrilhos.
Eu fui atrás do que imaginei, quis muito ser a pessoa que aquela rapariga de 16 anos sonhou, aquela que escrevia com letras redondas nas folhas de teste da Jaime Moniz. Já não me lembrava, a turma era a 29, o meu número de aluno o 8. E fora as notas a Inglês e Francês, as provas mostram um percurso bom. Não tão bom como a minha mãe queria, nem onde queria. Ela imaginara-me de bata branca a atender doentes no hospital, eu tinha outros planos, seria uma mistura de artista, de intelectual, um híbrido do Indiana Jones dos filmes.
Eis-me aqui, no quintal de uma casa que guarda memórias e não parece minha, depois de remexer em papéis, de ler cartas e ver fotografias do ensaio do teatro do grupo de jovens. Lá estou eu com 14 anos no meio de raparigas de cabelo armado e de rapazes com bigode. Tudo parece ter sido há uma eternidade. E foi, foi até noutro século. Os cartões de telefones pré-pagos da TMN, as cassetes e uma disquete provam isso tudo.
Não sei o que está nas cassetes, nem na disquete e não tenho maneira de saber. Não se fazem computadores para disquetes e os leitores de cassetes áudio estão avariados por 18 anos de pó e esquecimento. São muitos anos. O tempo passou por mim e por aqui desde o dia em que fiz as malas e me mudei, tinha 29 anos e era chegado o momento de seguir caminho. A única ilusão que guardei foi a que teria sempre esta casa para voltar, tal e qual como a deixara.
Não era verdade, as casas morrem quando as mulheres partem...
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