por que para rousseau renunciar a liberdade é renunciar a qualidade do homem
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A questão da liberdade e de sua perda apresenta-se de formas distintas no Discurso da Servidão Voluntária, de Etienne La Boétie, e no Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, de Jean-Jacques Rousseau, dado o propósito particular de cada um. Contudo, o assunto não é de forma alguma subjacente em ambos, já que o que está em jogo tanto num quanto noutro é a questão da formação da sociedade - aquilo que os modernos reconheceram como o Estado - na qual atualizou-se a desigualdade entre os homens ao mesmo tempo em que a servidão voluntária, mistério proposto por La Boétie, entrou em vigor. E, desta forma, a liberdade original do homem, conforme abordada pelos dois filósofos, foi perdida.
Desta forma, os dois discursos apresentam notáveis pontos de confluência dentro dos termos da filosofia e da ciência política. Ao estudarmos neles este assunto - a perda da liberdade - alguém poderia dizer que o primeiro discurso, de La Boétie, possui uma recorrência muito maior a ela - fato do qual não poderíamos discordar, uma vez que as referências à "liberdade" ou ao "homem livre" são, de fato, muito mais numerosas nele que no Discurso da Desigualdade. Contudo, entendendo-se o fato da renúncia à liberdade como o momento do estabelecimento da sociedade, veremos que ambos tratam dela numa mesma intensidade, interesse, e até apresentam-na em termos semelhantes; partem, porém, de dois pontos de vista diferentes - expressos, como dissemos, no propósito particular de cada texto.
Liberdade, perda da liberdade; é interessante notar que Rousseau, no excerto do Contrato Social, usa um verbo ativo para descrever o ato desta perda. Fala em "renunciar a liberdade". Ou seja, a perda da liberdade é um ato que possui no mínimo um agente causador, um "alguém" que a ela deliberada e contingentemente renuncia.
Esse alguém, se falamos sobre a renúncia à "qualidade de homem" e aos "direitos da humanidade", é – evidentemente - o próprio homem. É ele próprio quem renuncia ao bem mais precioso e ao único de que necessita: sua liberdade natural Mas impõe-se, neste momento, que nos detenhamos em algumas questões ainda anteriores a essa discussão. Uma delas - cremos ser a primeira - seria esta: quando se deu esta renúncia à liberdade?
Como vimos, tanto para La Boétie quanto para Rousseau, o acontecimento no qual o homem renunciou a sua liberdade primordial foi, na história, aquele no qual propôs-se a viver em sociedade. Foi no estabelecimento desta que a vontade de uns sujeitou-se à de outros e o homem, "cavalo bravio", viu-se dominado sob o jugo dos tiranos e dos ditames sociais; ora, a vontade que se submete à vontade de outrem já não é mais uma vontade livre. Pior: nem se pode mais dizer que seja uma vontade de homem. Este é, em outras palavras, o momento do "mau encontro" de La Boétie, sobre o qual escreveu Pierre Clastres[1]:
Desta forma, os dois discursos apresentam notáveis pontos de confluência dentro dos termos da filosofia e da ciência política. Ao estudarmos neles este assunto - a perda da liberdade - alguém poderia dizer que o primeiro discurso, de La Boétie, possui uma recorrência muito maior a ela - fato do qual não poderíamos discordar, uma vez que as referências à "liberdade" ou ao "homem livre" são, de fato, muito mais numerosas nele que no Discurso da Desigualdade. Contudo, entendendo-se o fato da renúncia à liberdade como o momento do estabelecimento da sociedade, veremos que ambos tratam dela numa mesma intensidade, interesse, e até apresentam-na em termos semelhantes; partem, porém, de dois pontos de vista diferentes - expressos, como dissemos, no propósito particular de cada texto.
Liberdade, perda da liberdade; é interessante notar que Rousseau, no excerto do Contrato Social, usa um verbo ativo para descrever o ato desta perda. Fala em "renunciar a liberdade". Ou seja, a perda da liberdade é um ato que possui no mínimo um agente causador, um "alguém" que a ela deliberada e contingentemente renuncia.
Esse alguém, se falamos sobre a renúncia à "qualidade de homem" e aos "direitos da humanidade", é – evidentemente - o próprio homem. É ele próprio quem renuncia ao bem mais precioso e ao único de que necessita: sua liberdade natural Mas impõe-se, neste momento, que nos detenhamos em algumas questões ainda anteriores a essa discussão. Uma delas - cremos ser a primeira - seria esta: quando se deu esta renúncia à liberdade?
Como vimos, tanto para La Boétie quanto para Rousseau, o acontecimento no qual o homem renunciou a sua liberdade primordial foi, na história, aquele no qual propôs-se a viver em sociedade. Foi no estabelecimento desta que a vontade de uns sujeitou-se à de outros e o homem, "cavalo bravio", viu-se dominado sob o jugo dos tiranos e dos ditames sociais; ora, a vontade que se submete à vontade de outrem já não é mais uma vontade livre. Pior: nem se pode mais dizer que seja uma vontade de homem. Este é, em outras palavras, o momento do "mau encontro" de La Boétie, sobre o qual escreveu Pierre Clastres[1]:
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