Por que no céu há tantas estrelas?
Esse índio Karajá amava a natureza e mais que tudo os animais e os pássaros, com
os quais falava, usando a linguagem deles.
Certa manhã, olhando um bando de papagaios que voava bem alto, se deu conta
que o firmamento estava vazio. Nenhum astro o embelezava.
O clarão do dia, especialmente sob a canícula, tornava o céu cinzento.
-- Por que o céu é assim tão vazio? – perguntou o Karajá aos pássaros que estavam
na árvore próxima. Mas eles fingiram que não entenderam sua pergunta, embora a voz
lhes fosse tão familiar. O índio, com voz forte e quase lancinante, perguntou de novo:
-- Por que o céu é assim tão vazio? – respondam-me, por favor!
A raposa antecipou-se e disse, em tom quase de acusação:
-- Foi o urubu-rei, rei das alturas, que roubou as estrelas para enfeitar o penacho
em sua cabeça e torná-lo assim ainda mais resplendente.
Ao ouvir isto, o índio Karajá decidiu tirar a limpo a questão com o urubu-rei.
Tomou suas armas e procurou o refúgio onde ele se aninhava. Ao vê-lo aproximar-se, disse
logo o urubu-rei:
-- Você é quem veio desafiar-me? Você não conhece, pequeno homem, a força de
minhas garras e de meu bico. Em poucos minutos, posso abrir suas veias e deixá-lo em
pedaços.
O Karajá, que sempre mostrara coragem e que, no fundo, amava os animais,
deixou cair as armas. E avançou sobre o urubu-rei. Houve uma luta longa e
sanguinolenta. Se o urubu-rei tinha força, o Karajá tinha habilidade para evitar os cortes
profundos das garras e das bicadas potentes. Depois de longa luta, rolando pelo chão
entre penas e gritos, ambos estavam extenuados. Até que o Karajá conseguiu imobilizar o
urubu-rei, prendendo-lhe as pernas e segurando-lhe, fechado, o bico.
- Se quiser recuperar a liberdade – disse, triunfante, o Karajá – entregue a luz que
escondeu em seu penacho na cabeça e nas plumas do corpo. O criador colocou as estrelas
no firmamento para embelezar a noite e não para alimentar a sua vaidade.
Mas o rei das alturas, que detinha também o segredo da eterna juventude, não
quis saber de renunciar às luzes que tornavam sua plumagem tão fascinante. De que
valeria ser eternamente jovem se continuasse sem atrativos e feio?
Cansado de esperar uma decisão do urubu-rei, o Karajá começou a tirar as penas
de sua cabeça. Cada pena que lançava no ar se transformava numa estrela do firmamento.
Arrancou depois um chumaço e o lançou ao alto e irromperam os astros que os
Karajá chamam de “olhos espantados do peru” – Alfa e Beta do Centauro. Com outro
chumaço, os “sete papagaios” – as Plêiades.
Com outro ainda, os “olhos dos homens” – Alfa e Beta do Cruzeiro do Sul. Por fim,
quando arrancou mais um monte de penas e o lançou ao céu, apareceu “o caminho das
estrelas” – a Via-Láctea.Mas as penas mais brilhantes permaneciam ainda na cabeça do urubu-rei. Quando
o Karajá conseguiu tirá-las e lançá-las ao alto, o céu se encheu de um brilho terno e doce.
Era a lua cheia. Logo depois se acendeu um grande tição de fogo, que iluminou todo o céu
e esquentou os dias. Nascia o sol.
Mas, considerando aquele grande esplendor, o índio Karajá disse de si para
consigo:
-- Bom seria se o sol, por respeito ao brilho tênue das estrelas e à timidez da lua, se
escondesse um pouco.
O sol ouviu este sussurro do Karajá e lhe atendeu o desejo. Por isso, à noite ele se
esconde. Assim, as estrelas podem mostrar a beleza de seu brilho e a lua revelar a
suavidade de sua luz.
O urubu-rei, com a chegada da noite, aproveitou para fugir. Agora não ostentava
mais, como nos tempos remotos, um penacho brilhante e um pescoço luzidio. Sua cabeça
parecia uma casca de laranja cortada e seu pescoço um ramo seco.
Mas ao fugir, gritou, em tom de deboche, ao karajá:
-- Você me tirou as penas, mas conservo ainda o segredo da eterna juventude.
E para fazer raiva ao índio, pronunciou o segredo com voz, sussurrante,
imaginando que ninguém estivesse por perto para ouvi-lo. Ocorre que o Karajá não ouviu
direito, mas os pássaros e as árvores ouviram as frases principais.
Por isso, eles aprenderam a conservar, até os dias de hoje, o segredo da perene
juventude: de tempos em tempos, as aves do céu sempre renovam suas penas e as
plantas, suas folhas.
E o índio Karajá continua sendo lembrado quando a tribo, à noite, se reúne ao
redor do fogo, para ouvir os antigos contarem as estórias do céu e da terra, do sol e da lua,
das estrelas e do firmamento. E olham, deslumbrados, para a grandiosidade majestática do
céu estrelado. E quando o fogo se apaga, eles se calam reverentes. E um a um se recolhem,
calmamente, carregando o céu estrelado dentro de seu coração. Deitam-se nas redes e
dormem com grande serenidade.
Adaptado de: BOFF, Leonardo. O casamento entre o céu e a
terra.
Rio de Janeiro: Salamandra, 2001. p. 15-7.
Entendendo o texto:
01 – Preencha o quadro a seguir com os elementos da narrativa.
Personagens:
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Resposta:
índio karaja, os pássaros e os que falava a linguagem deles
Explicação:
um bando de papagaios, e o urubu rei
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