Por que existe a "depressão"? De onde ela surgiu?
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A história é a seguinte: no início do século 4, centenas de monges estabeleceram alguns dos primeiros grandes monastérios católicos nos desertos da Síria e do Egito (nos dois retiros mais importantes, a sudoeste de Alexandria, viviam 5.600). Esses monges, chamados de anacoretas, pretendiam se isolar do mundo para, assim, fugir de toda e qualquer tentação. Só que, mesmo distante de tudo, restava ainda um demônio: a acédia. Evágrio Pôntico, antigo diácono de Constantinopla que se retirou no deserto em 383, descreveu assim a tentação, também chamada de “demônio do meio-dia”: “Ele força o monge a manter os olhos fixos na janela, fora de sua célula, observando o sol para ver se ele está longe da 9a hora. Ele inspira a aversão pelo lugar onde o monge se encontra, por seu próprio modo de vida e pelo trabalho manual. Além disso, provoca a idéia de que a caridade desapareceu e que ninguém poderá consolar-lhe. O demônio da acédia usa todas suas forças para que o monge abandone sua célula e fuja”.
volta por cima no século 19. Na Inglaterra dessa época, o prato mais pesado da balança é o da visão positiva: a moda elizabetana manda vestir preto e o spleen é um atributo essencial do romantismo. Órgão que se acreditava secretar a bile negra, o baço (ou spleen, em inglês), virou sinônimo de angústia, mau humor e depressão. As mulheres inglesas que andavam de cara amarrada por volta de 1800 diziam ter sido atingidas pelos vapores do spleen. Nada mais glamouroso, na época. Apesar de sofrido e devastador, o sentimento borocoxô é cultuadíssimo pelos românticos.
Como foi que a melancolia se transformou em doença, entrou na seara da psiquiatria e passou a ser combatida com uma intensidade semelhante à da Idade Média? É verdade que os gregos já viam o lado patológico da melancolia. Mas nada comparado ao problema de saúde pública de nossos dias. A partir do século 18, os médicos começaram a se interessar pelas doenças mentais. Eram os chamados alienistas, que consideravam a melancolia como um tipo de loucura ou como uma mania. Freud comparou a melancolia ao luto. Segundo ele, “ambos provocam uma depressão profundamente dolorosa, uma suspensão do interesse pelo mundo exterior, a perda da capacidade de amar e a inibição de toda a atividade”. A diferença seria que, enquanto o luto é a dor pela perda de alguém ou algo, o melancólico se ressente da perda do “eu”, o que também traria uma diminuição da auto-estima.
Um grande avanço veio com a descoberta, por acaso dos antidepressivos. Usadas para tratar depressivos, no entanto, essas substâncias provocavam muitos efeitos colaterais, já que não haviam sido criadas com esse fim específico. Os antidepressivos agem sobre algumas substâncias que regulam a transmissão de impulsos nervosos, os neurotransmissores – em especial sobre a serotonina, que além de influenciar o temperamento, controla a liberação de hormônios que regulam estados como o sono e a fome. Deprimidos apresentam distúrbios na regulação de serotonina, mas comece a brincar com essa substância e você corre o risco de desregular o organismo inteiro.
A primeira droga capaz de agir sobre a serotonina sem tantos efeitos colaterais foi o Prozac, que começou a ser vendido nos Estados Unidos em 1988. Graças a ele, os antidepressivos se tornaram populares. “O remédio é tão seguro que dá a impressão de que qualquer médico pode tratar a depressão”, afirma Tung, do Hospital das Clínicas. “Mas hoje em dia a medicação é acompanhada com mais cuidado. A associação dele com outros medicamentos pode gerar intoxicação. Estudos sugerem até que tratamentos com antidepressivos podem agravar a depressão ou levar ao suicídio.”
Mesmo com remédios, as estatísticas atuais sobre a depressão são alarmantes. Além dos 340 milhões de pessoas com a doença, estima-se que em 2020 ela será a 2a principal causa de incapacidade no mundo, atrás apenas de doenças cardíacas (hoje, ela ocupa a 4a posição desse ranking). Não é à toa que, entre as medicações só comercializadas com receita médica, os antidepressivos são os campeões de venda. Por outro lado, nunca a depressão foi tão estudada quanto hoje, o que abre a perspectiva de melhores remédios.