Por que Dom Quixote quis lutar contra os moinhos?
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Dissemos na nossa última crônica que o valoroso cavaleiro Dom Quixote de La Mancha enfrenta 40 combates, vencendo 20 e sendo derrotado nos outros 20. Cervantes, seguindo a lição do seu mestre cético, Erasmo de Rotterdam, torna equivalentes derrota e vitória, construindo um elaborado sistema de relativização tanto da vitória quanto da derrota.
No tempo de Cervantes outro poeta, Régnier, dizia: "o mundo é um carnaval onde tudo se confunde; quem pensa ganhar é amiúde quem perde". Consciente disso, o fidalgo se esmera em transformar suas derrotas em vitórias; da mesma maneira, não comemora suas vitórias, considerando-as tão naturais quanto as derrotas.
É emblemático desse processo o bem conhecido episódio dos moinhos de vento. Nesse episódio, Dom Quixote teria tido sua mais contundente e ridícula derrota. No entanto, o título do capítulo, no original espanhol, já o apresenta como uma das principais vitórias do cavaleiro: "Del buen suceso que el valeroso don Quijote tuvo en la espantable y jamás imaginada aventura de los molinos de viento, con otros sucesos dignos de felice recordación".
A luta com os moinhos de vento é única e ajudou a forjar o mito quixotesco, porque envolve objetos inanimados que se transformam, para Dom Quixote, em gigantes cruéis, e depois, novamente, em moinhos de vento. O absurdo não reside somente em ver gigantes onde há trinta ou mais moinhos de ventos, mas principalmente em arremeter sozinho contra todos eles, gritando: "Não fujam, criaturas vis e covardes, que um cavaleiro sozinho é quem os ataca".
A pá de um dos moinhos, porém, derruba o ousado cavaleiro, dando o tema para uma das imagens mais representada pelos artistas ao longo dos séculos, como na clássica ilustração de Gustave Doré que vemos abaixo.