Poesia sobre o Setembro amarelo
Soluções para a tarefa
MÃO DADA
observo as linhas da minha mão
correndo águas
a linha do amor do dinheiro
qual será a linha
da loucura
o rio de traços finos
falhos
tremidos
que revelam a mente sã
ensandecida
qual será a linha da loucura
na palma da minha vida
qual será a veia herdada
vendo a marca infligida
qual será a linha
louca
que corta o rio
da minha mão
da minha mãe
por quem fui
parida
doze horas em trabalho
de partida
só pra nascer
com o carimbo da mão
em linha
enlouquecida
qual será
essa
loucura
costurada
essa linha
desmedida
essa
palma
bordada
eu olho os rios da minha mão
e enlouqueço
calada
alta ajuda
dizem que são necessários
trinta dias
para que um novo hábito
se torne rotina
dizem que o problema
é a gordura que o
açúcar refinado na
verdade que todo
açúcar que as frutas
também
tudo faz mal
e dizem que yoga
e pilates
exposições gatos cães
pássaros livres e
nadar com os golfinhos
não
a natureza se desequilibra
assim como bambeamos
movidos a ansiolíticos
e cafeína
até mesmo os que dizem
que a meditação
os parques as longas
caminhadas na praia
a água de coco o óleo
de macadâmias
as escovas
elétricas e o chás
feitos das ervas
tiradas do chão fazem
bem
até mesmo os que dizem
que todas as religiões
que a tolerância o
ecumenismo as missas
de sétimo dia as velas
os filmes nacionais
os editais o apoio
do governo a importância
dos movimentos sociais
até mesmo
os que dizem que a
indústria o consumo
as leis a punição
até os que sentem
pena
até eles dizem
que trinta dias passam
mas não habituam
a vida
em quem de nada
faz questão
Dora
nunca esqueço de Dora
de sua paralisia
sua cegueira
sua oposição transformada
em patologia
como os homens
amam os códigos
que catalogam a loucura
feminina
e distribuem sintomas
por cima dos
hematomas
e taças de sangria
em suas camas
forradas com mentiras
e blocos de papel
onde escrevem cárceres
onde descrevem leitos
onde Dora e eu e todas
nós
devemos deitar
em espera
nunca esqueço do caso
de Dora
da coragem sufocada
por mãos livros
por páginas
escritas por homens
como ele
com números que são
camisolas
à força
e que mais cedo ou
mais tarde
acabamos por vestir
porque em seus blocos
camas poltronas
em seus estetoscópios
eles escutam a rebeldia
porque Dora e eu e todas
nós
nos fazemos
ouvir
duas cadeiras
conte para mim
sobre como tudo anda difícil
e nem a cerveja se paga
e nem a escrita se cria
me conte
sobre os imprevistos
e as curvas fechadas
sobre os livros
abandonados
as exposições vazias
de significado
me fale sobre a rotina
que esmaga
com as palavras que
sempre as mesmas
se usa
e sobre a cidade cinza
os rios espumantes
o quilo de sal
caro
que se come
me conte
sobre as temperaturas
altas e os corações
apáticos
sobre as relações
de supermercado
os produtos
políticos
eu quero ouvir
sobre as pequenas vidas
os pequenos instantes
de vida
que ainda resistem
aí
Resposta:
Percurso
era escuro
e meus passos pisavam em si mesmos
eu não tinha mapa, nem casa, nem pranto
era só um corpo
rente ao abismo
de ser
como a imensidão toca o nada um dia o vazio tocou-me a ponta dos dedos
a inquietação agiu feito luz
e de repente com o lápis
tentava me desdizer
e com a boca
tentava me desmanchar
a palavra transpondo a dor
e o corpo inteiro
a desintegrar
diante de um Outro,
um ouvido,
uma escuta
que vem costurar minha narrativa
por vezes fantasiosa, pesada, dura mas nunca
nunca
obsoleta
me entrega um fio
e costuro uma colcha,
um agasalho,
uma casa
se posso ser casa
posso acolher o desejo de me habitar
A todas(os) as(os) profissionais da Psicologia e da Psicanálise que, com desejo, ética e responsabilidade, implicam-se em valorizar e promover a vida através da escuta.