PERFIS DE REDES SOCIAIS SÃO RETRATOS IDEAIS DE NÓS MESMOS
Antônio Prata
Desde as priscas eras do Orkut, em minhas perambulações pelas redes sociais, noto o fenômeno. Entro no
6H
perfil de uma moça e começo a olhar suas fotos: encontro-a ali ainda criança, vestida de odalisca, num Carnaval do
século 20; a vejo com seu cachorro, numa praia, recentemente; com uma turma na piscina de um sítio, no final da
adolescência; numa 3x4 com o namorado, espremida na mesma cabine, talvez numa viagem à Europa.
Então, sem que eu me dê conta, um retrato puxa o meu olhar. Minha reação imediata, naquele interregno
mental em que as pupilas já captaram a imagem, mas o cérebro ainda não teve tempo de processá-la, é de
surpresa: como ela saiu bem nessa foto! Só um segundo depois percebo o engano: quem saiu bem não foi a garota
do perfil, mas a Penélope Cruz, Marilyn Monroe, Sarah Jessica Parker ou outra atriz famosa, cuja imagem foi
contrabandeada para aquele álbum por conta de alguma semelhança com sua dona. Olho as outras fotos. Comparo.
E da distância – às vezes menor, às vezes maior - entre a estrela de cinema e a mulher do Facebook, surgem
sentimentos contraditórios.
De início, topar com a destoante atriz me dava certa pena: afinal, por mais bonita que fosse a moça, nunca
alcançava a musa. “Será que ela acredita mesmo ser parecida com a Sharon Stone?”, eu pensava com uma pitada
de vergonha alheia, como se estivesse diante de uma pessoa incapaz de lidar com a realidade, uma pessoa com
delírios de grandeza, com delírios de beleza.
Aos poucos, contudo, fui chegando à constatação óbvia de que todo perfil de rede social é um retrato ideal de
nós mesmos. Se ponho um link para um filme de Woody Allen, se cito uma frase de Nietzsche; mesmo quando posto
uma foto de um churrasco, não estou eu, também, editando-me? Tentando pegar esse aglomerado de defeitos,
qualidades, ansiedades, desejos e frustações e emoldurá-lo de modo a valorizar o quadro – engraçado, profundo,
hedonista?
Pensando bem, nem precisamos ir até o exagero das redes sociais – essa versão caricaturada de nós
mesmos. Toda vez que nos vestimos, que abrimos a boca para emitir uma opinião, toda vez que empurramos o
mundo pra baixo e o corpo pra frente, dando um passo, de peito aberto, ombros curvados, de nariz empinado ou de
olhos pro chão, estamos travando esta negociação entre o real e o ideal. Estamos enviando aos outros e a nós
mesmos a soma de nossos fardos e de nossas aspirações.
Há pobres que se vestem de ricos e ricos que se vestem de pobres, magrelos que andam de braços
arqueados, como se fossem musculosos, feiosos que entram em um restaurante crentes que são o George Clooney
e possíveis galãs e divas que, ignorantes ou culpados por suas belezas, caminham por aí mais parecidos com Tims
Burtons e Zezé de Macedos. No fim, acabamos sendo um meio-termo entre o ator e o roteiro que tentamos escrever.
Hoje, portanto, admiro as moças que colocam fotos de belas atrizes entre as suas. Vejo ali um pouco de
ousadia, um pouco de esperança, e, acima de tudo, algo oposto ao que eu via antes: não um delírio, a tentativa de
fugir de si próprias, mas a capacidade de aceitarem-se na harmoniosa mistura entre o que são e o que gostariam de
ser.
l
1) O texto acima aborda sobre um fenômeno que vem se difundindo bastante nos últimos tempos, em todas as faixas etárias. Que fenômeno é esse?
2) O narrador entra no perfil de uma moça ao navegar nas redes sociais.
a) O que as fotos da moça retratam?
b) Que surpresa tem o narrador?
c) O narrador diz ter tido um sentimento de “vergonha alheia”. Explique o sentido dessa expressão no contexto.
3) Baseado nas observações que faz, o narrador chega a conclusão sobre os perfis apresentados nas redes sociais.
a) Qual é a conclusão? Explique-a.
b) O que o narrador conclui quanto ao papel que têm as imagens, os pensamentos e os links de filmes?
4) Durante o desenvolvimento do texto, o narrador expõe a mudança de suas reflexões acerca do assunto.
a) de acordo como 5o e 6o parágrafo o confronto que ele vê entre o real e o ideal restringe-se as redes
sociais? Justifique sua resposta com exemplos.
b) Na afirmação, “acabamos sendo um meio-termo entre o ator e o roteiro que tentamos escrever” Quem é o
autor? O que é o roteiro?
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Resposta: Minha reação imediata, naquele interregno mental em que as pupilas já captaram a imagem, mas o cérebro ainda não teve tempo de processá- la, é de surpresa: como ela saiu bem nessa foto!
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