peladas:
armando nogueira
Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice completa: agora, é uma babá que passa, empurrando, sem afeto, um bebê de carrinho, e um par de velhos que troca silêncios num banco sem encosto.
E, no entanto, ainda ontem, isso aqui fervia de menino, de sol, de bola, de sonho: "eu jogo na linha! Eu sou o Lula; no gol, eu não jogo, tô com o joelho ralado de ontem; vou ficar aqui atrás: entrou aqui, já sabe". Uma gritaria, todo mundo se escalando, todo mundo querendo tirar o selo da bola, bendito fruto de uma suada vaquinha.
Oito de cada lado e, para não confundir um time fica como está; o outro joga sem camisa.
Já reparei uma coisa: bola de futebol, seja nova, seja velha, é um ser muito compreensivo que dança conforme a música: se está no Maracanã, numa decisão de título, ela rola e quiçá com um ar dramático, mantendo sempre a mesma pose adulta, esteja nos pés de Gérson ou nas mãos de um gandula.
Em compensação, num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre para lá, quiçá no meio-fio, para de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixar-se espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um bichinho.
Aqui, nessa pelada inocente é que se pode sentir a pureza de uma bola. Afinal, trata-se de uma bola profissional, uma número cinco, cheia de carimbos ilustres: "Copa Rio-Oficial", "FIFA - Especial". Uma bola assim, toda de branco, coberta de condecorações por todos os gomos (gomos hexagonais!) jamais seria barrada em recepção do Itamarati.
No entanto, aí está ela, correndo para cima e para baixo, na maior farra do mundo, disputada, maltratada, até, pois, de quando em quando, acertam-lhe um bico, ela sai zarolha, vendo estrelas, coitadinha.
Racha é assim mesmo: tem bico, mas tem também sem-pulo de craque como aquele do Tona, que empatou a pelada e que lava a alma de qualquer bola. Uma pintura.
Nova saída.
Entra na praça batendo palmas como quem enxota galinha no quintal. É um velho com cara de guarda-livros que, sem pedir licença, invade o universo infantil de uma pelada e vai expulsando todo mundo. Num instante, o campo está vazio, o mundo está vazio. Não deu tempo nem de desfazer as traves feitas de camisas.
O espantalho-gente pega a bola, viva, ainda, tira do bolso um canivete e dá-lhe a primeira espetada. No segundo golpe, a bola começa a sangrar.
Em cada gomo o coração de uma criança.
01. qual o tema abordado na crônica?
02. Onde se desenrolam os fatos da crônica?
03. Identifique o conflito gerador e a personagem principal da crônica.
04. Sabe-se que o narrador desempenha o importante papel de contar os fatos ocorridos em uma história, mas isto pode ser feito de diversas formas, a partir do seu ponto de vista. Trata-se do foco narrativo, que é um dos elementos da narrativa. Nessa crônica o narrador assume o papel de observador ou de personagem (foco narrativo)? Identifique com trechos do texto.
5. No texto, o autor está se dirigindo
A) ás crianças.
B) aos leitores.
C)às pessoas que gostam de futebol.
D)aos frequentadores da pracinha
Soluções para a tarefa
- Armando Nogueira ( 14/01/1927 - 29/03/2010 ). Foi jornalista e cronista esportivo no Brasil.
- A crônica Peladas foi publicada no jornal e mais tarde publicada em seu livro.
Peladas
01 ) Qual o tema abordado na crônica ??
→ A crônica fala sobre a pelada, jogo de futebol entre amigos, apenas para diversão.
02 ) Onde se desenrolam os fatos ??
→ Na pracinha, que hoje não é mais divertida como antes.
03 ) Identifique o conflito gerador e a personagem principal da crônica.
→ O conflito acontece, com a entrada de um ''velho'' que expulsa os meninos da praça e fura a bola com um canivete.
→ A personagem principal da crônica é a bola que ''sangra '' após a segunda canivetada e que continha em cada gomo o coração de uma criança.
04 ) Nessa crônica o narrador assume que tipo de narrador ??
→ O autor é um narrador observador, pois ele olha, observa, descreve e sofre, mas não participa diretamente. O texto é narrado na 3 ° pessoa.
→ Trechos :
'' Esta pracinha '...
'' Ela corre para cá ''...
05 ) O autor está se dirigindo :
→ ( B ) aos leitores.
Adicional :
- No trecho : ''' Já reparei uma coisa : ' o autor dá sua opinião de um modo geral sobre a bola de futebol, não da bola do texto.
“Pelé é tão perfeito que se não tivesse nascido gente, ...
teria nascido bola.”
Armando Nogueira.
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