PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE
(Marina Colasanti)
Porque os homens olhavam demais para a sua mulher, mandou que descesse a bainha dos
vestidos e parasse de se pintar. Apesar disso, sua beleza chamava a atenção, e ele foi
obrigado a exigir que eliminasse os decotes, jogasse fora os sapatos de saltos altos. Dos
armários tirou as roupas de seda, da gaveta tirou todas as joias E vendo que ainda assim um
ou outro olhar viril se acendia à passagem dela, pegou a tesoura o losquiou-lhe os longos
cabelos
Agora podia viver descansado. Ninguém a olhava duas vezes, homem nenhum se interessava
por ela. Esquiva como um gato, não mais atravessava praças. E ovitava sair
Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se dela, permitindo que fluisse em silêncio
pelos cómodos, mimetizada com os móveis e as sombras.
Uma fina saudade, porém, começou a alinhavar-se em seus dias. Não saudade da mulher
Mas do desejo inflamado que tivera por ela.
Então lhe trouxe um batom. No outro dia um corte de seda. A noite tirou do bolso uma rosa de
cetim para enfeitar-lhe o que restava dos cabelos.
Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas, nem pensava mais em lhe agradar. Largou
o tecido em uma gaveta, esqueceu o batom E continuou andando pela casa de vestido de
chita, enquanto a rosa desbotava sobre a comoda
In: Conto de amor rasgados, Rio de Janeiro: Rocco, 1986, P. 111-2
Esse texto é um fragmento de
A) biografia
B) conto
C) diário
fabula
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