Filosofia, perguntado por salapeguei, 7 meses atrás

Para o filósofo Nicolau Maquiavel, o que é a República?

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Respondido por Myrandha
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Resposta:

São inúmeras as referências na obra de Maquiavel aos desejos (ou "humores") opostos que constituem a dinâmica pulsional de toda civiltà. Vale destacar, porém, três delas: a primeira, no capítulo IX de O príncipe; a segunda, no capítulo 4 do livro I dos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio;6 e a última no capítulo 1 do livro III da História de Florença.

O capítulo IX de O príncipe trata de uma figura anfíbia, espécie de oxímoro que Maquiavel denomina "principado civil", uma mistura de principado com república que mantém sua ambigüidade até mesmo no modo de ascensão ao poder: não é nem por Fortuna nem por virtù, mas por uma "astúcia afortunada" que um cidadão torna-se o governante de sua pátria. Alguns comentadores, como P. Larivaille (2001), lerão esse capítulo em uma chave republicana, encontrando na dinâmica política própria de uma república as condições para a emergência dessa estranha forma de governo7 e é precisamente esse o ponto sobre o qual eu gostaria de me deter. O traço distintivo de um principado civil é que aquele que aí exerce o poder o adquire pelo "favor dos outros cidadãos" (Maquiavel, 1993a, p. 271). Esse favor, esclarece Maquiavel, pode ser ou do povo (populo) ou dos grandes (grandi):

Porque em toda cidade se encontram estes dois humores diversos; e nasce disso que o povo deseja não ser comandado nem oprimido pelos grandes, e os grandes desejam comandar e oprimir o povo; e desses dois apetites diversos nascem nas cidades um dos três efeitos: ou principado ou liberdade ou licença. (Maquiavel, 1993a, p. 271)

A ordem política na cidade será definida então a partir da oposição entre os desejos que animam seus cidadãos. Essa passagem me permite fazer duas considerações que creio relevantes para situarmos o problema do republicanismo de Maquiavel: a primeira diz respeito à natureza dos humores; a segunda ao efeito de seu confronto. No que concerne a este último, vale observar que a "liberdade" à qual Maquiavel faz referência é o regime republicano. Quanto à natureza dos humores, o que podemos apreender imediatamente é que o desejo dos grandes é positivo porque determinado, ao passo que o desejo do povo, indeterminado, seria negativo: antes de mais nada, o povo exige apenas "não ser oprimido" (Maquiavel, 1993a, p. 272). Para muitos comentadores, isso significa o esvaziamento do desejo do povo de todo conteúdo político ou, ainda, significa que o povo "não quer saber nada do poder, e não se preocupa com as condições necessárias para o estabelecimento dessa não-opressão" (Sfez, 1999, p. 182). Sfez apóia-se na leitura de Lefort, o qual insiste no caráter universal, indeterminado do desejo do povo. Na corrente interpretativa que remonta a Leo Strauss, da negatividade desse desejo é deduzida a passividade do povo.8 Harvey Mansfield, por exemplo, afirma o seguinte:

Para Maquiavel, somente alguns homens são políticos, e eles governam em qualquer regime, não importa como seja chamado. O povo não deseja governar e quando parece governar, está sendo manipulados por seus líderes. Ele é matéria sem forma, corpo sem cabeça. Uma vez que não pode governar, o regime é sempre o governo de um príncipe ou de príncipes. (Mansfield, 1996, p. 237)

Para engrossar a fileira, cito ainda um leitor de Maquiavel não pertencente a nenhuma dessas tradições interpretativas, mas cuja obra é extremamente influente. Trata-se de M. Foucault que, no curso ministrado no Collège de France em 1978, diz o seguinte: "Para Maquiavel, no fundo, o povo era essencialmente passivo, ingênuo, ele tinha de servir de instrumento ao príncipe, sem o que ele servia de instrumento aos grandes" (Foucault, 2004, p. 277).

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