Outro dia tive saudade do papel carbono. E tive
saudade também do mimeógrafo a álcool. E tive
saudade da velha máquina de escrever. E tive saudade
de quando, no dizer de Rubem Braga, a geladeira era
[5] branca e o telefone era preto.
Os mais jovens não sabem nem o que é papel
carbono ou mimeógrafo a álcool. Mas tive saudade
deles, ou melhor, de um tempo em que eu não dependia
eletronicamente de outros para fazer as mínimas
[10] tarefas. Uma torneira, por exemplo, era algo simples. Eu
sabia abrir uma torneira e fazê-la jorrar água. Hoje tomar
um banho é uma peripécia tecnológica. Hoje até para
tomar um elevador tenho que inserir um cartão
eletrônico para ele se mover. Claro que tem o Google,
[15] essa enciclopédia no computador que facilita as
pesquisas (para quem não precisa ir fundo nos
assuntos), mas muita coisa me intriga: por que cada
aparelho de televisão de cada casa, de cada hotel tem
um controle remoto diferente e a gente não consegue
[20] usá-los sem pedir socorro a alguém?
Olha, tanta tecnologia!...Mas além de não terem
descoberto como curar uma simples gripe, os
elevadores dos hotéis ainda não chegaram a uma
conclusão de como assinalar no mostrador que letra
[25] deve indicar a portaria. Será necessária uma medida
provisória do presidente para uniformizar tal diversidade
analfabética.
Outro dia, li que houve uma reunião em Baku,
lá no Azerbaijão, congregando cérebros notáveis para
[30] decifrarem nosso presente e nosso futuro. Pois Jean
Baudrillard andou dizendo, com aquela facilidade que os
franceses têm para fazer frases que parecem filosóficas,
que o que caracteriza essa época que está vindo por aí
é que o homem, leia-se corretamente homens e
[35] mulheres, ou seja, o ser humano, foi descartado pela
máquina. (Isso a gente já sabe quando tenta ligar para
uma firma qualquer e uma voz eletrônica fica mandando
a gente discar isto e aquilo e volta tudo a zero e não
obtemos a informação necessária.)
[40] Deste modo estão se cumprindo dois vaticínios.
O primeiro era de um vate mesmo – Vinícius de Moraes,
que naquele poema “Dia da Criação”, fazendo
considerações irônicas sobre o dia de “sábado” e os
desígnios divinos, diz: “Na verdade, o homem não era
[45] necessário”. É isto, já não somos necessários.
E a outra frase metida nessa encrenca é aquela
da Bíblia, que dizia que o “sábado foi feito para o
homem e não o homem para o sábado”. Isso foi
antigamente. Pois achávamos que a máquina havia sido
[50] feita para o homem, mas Baudrillard, as companhias
aéreas e as telefônicas mais os servidores de
informática nos convenceram de que “o homem é que
foi feito para a máquina”. Ao telefone só se fala com
máquinas, e algumas empresas – esses servidores de
[55] informática – nem seus telefones disponibilizam. Estou,
por exemplo, há quatro meses tentando falar com
alguém no “hotmail” e lá não tem viv’alma, só
fantasmas eletrônicos sem rosto e sem voz.
Permita-me, eventual e concreto leitor, lhe fazer
[60] uma pergunta indiscreta. Quanto tempo diariamente
você está gastando com e-mails? Quanto tempo para
apagar o lixo e responder bobagens? Faça a conta,
some.
Drummond certa vez escreveu: “Ao telefone
[65] perdeste muito tempo de semear”. Ele é porque não
conheceu a internet, que, tanto quanto o celular, usada
desregradamente é a grande sorvedora de tempo da
pós-modernidade.
Por estas e por outras é que estou pensando
[70] seriamente em voltar às cartas, quem sabe ao
pergaminho. E a primeira medida é reencontrar o papel
carbono.
Há um sentimento de nostalgia expresso nessa crônica.destaque alguns trechos em que isso fique evidente?
Soluções para a tarefa
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Resposta:
porque não
conheceu a internet, que, tanto quanto o celular, usada
desregradamente é a grande sorvedora de tempo da
pós-modernidade.
Por estas e por outras é que estou pensando
[70] seriamente em voltar às cartas, quem sabe ao
pergaminho
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