Oswald de Andrade e seu tempo de escola
No quarto ano, produziu-se a crise esperada. Encontrei pela minha frente um professor teutônico, pré-nazista, de peito emproado, purista e autoritário. Sua figura marcial invadira o ginásio e tomara assento em todas as posições. Era professor tanto de português como de alemão ou grego, de geografia e matemática. Chamava-se Carlos Augusto Germano Knuppell e era um produto da Faculdade de Direito, de que fazia os mais elevados elogios. Para ele, ser bacharel pela escola do Largo de São Francisco traduzia um incalculável penhor de saber e de caráter.
[...] Prevenção minha ou não, verifiquei que o homem me olhava duramente e mais duramente ainda me tratava. Vi-me logo condenado a repetir o quarto ano, ameaça que ele fez abertamente em classe. Seria de fato difícil a promoção de quem caísse no seu desagrado, pois ele lecionava em pessoa a maioria das disciplinas e substituía com facilidade todos os lentes. Diziam que era um grande tomador de café e embirrava supinamente com a sujeira de meus dedos e a desordem dos meus cabelos. Aproximando-se os exames do fim de ano, meu duelo desigual com o “Doutor Kinipel” atingiu o auge. Ele tinha nas mãos possantes e hostis quase todas as bancas. O primeiro exame em que eu o defrontei foi o de Corografia do Brasil, de que ele era catedrático. Durante o ano todo nos ensinou a decorar nomes de cidades, lagos, montanhas e rios, pouco interesse mostrando por qualquer ideia de cartografia. Os mapas fugiam de suas aulas secas. Foi tal o esforço decorador que eu fiz a fim de apaziguar o monstro, que até hoje minha memória guarda em ordem alfabética o nome das cidades do Estado do Pará: Alenquer, Bragança, Breves, Cametá, Cintra, Gurupá etc...
Na hora em que ia ser oferecido em sacrifício à ferocidade do professor, a sala de exame se encheu de colegas. Todo mundo queria assistir ao sádico espetáculo. Tirei o ponto "Portos de Segunda Ordem".
Sentei-me aterrado diante da banca onde ladeavam o catedrático os professores: Batista Pereira e Câmara Lopes. Procurava lembrar-me dos nomes em ordem alfabética dos portos de segunda ordem, quando “Kinipel” gritou:
— Não, senhor, não quero nada de cor! O senhor vai realizar uma viagem estranha! Vai subir num navio num porto do Estado do Rio Grande do Sul e desembarcar na Bahia. Exijo apenas uma condição para aprová-lo: que não entre nesse percurso em nenhum porto de primeira ordem. Vamos!
Comecei timidamente por Torres, toquei em Florianópolis, que apesar de ser capital do Estado de Santa Catarina era um porto de segunda ordem. Esbarrei em Paranaguá e penetrei em águas de meu Estado, o Estado de São Paulo. — Iguape, Cananéia. Ia inevitavelmente entrar em Santos, mas me retirei a tempo. Passei para São Sebastião, Ubatuba, Parati, e, não achando meio, na minha pobre e mal exercitada memória cartográfica, onde pôr o pé, exclamei: — Rio de Janeiro!
Foi uma gargalhada geral. Era o que ele esperava. Gritou:
— Rio de Janeiro! A Capital da República, porto de segunda ordem! Vou expulsá-lo da banca!
Mais morto do que vivo, eu respondi: — Desci para ir de barca a Niterói! O estrépito da classe atingiu o delírio. Vermelho, “Kinipel” gesticulava:
— Ponha-se daqui!
Os dois outros lentes riam, gozando. A classe levantara-se e tomara conta de mim, erguendo-me nos braços e levando-me assim em triunfo pelos corredores do ginásio.
Acabara o exame e um monte de meninos acumulou-se ante a porta fechada, onde se produzia a classificação das notas. Eu me acoitara a um canto, sem nenhuma esperança. A porta abriu-se, leram-se os nomes, o meu vinha no fim. Eu tinha sido aprovado, simplesmente, grau 1. "Contra o voto do professor da cadeira."
ANDRADE, Oswald de. Oswald de Andrade e seu tempo de escola. In: ______. Um homem sem profissão: sob as ordens de mamãe. 2. ed. São Paulo: Globo/Secretaria de Estado da Cultura, 1990.
O fragmento anterior pertence ao livro de memórias de Oswald de Andrade. Que marcas linguísticas caracterizam esse tipo de texto?
A
Emprego forte de adjetivação.
B
Narração em primeira pessoa.
C
Uso da norma-padrão.
D
Objetividade jornalística.
E
Períodos curtos.
Soluções para a tarefa
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As marcas linguísticas que caracterizam esse tipo de texto são:
B Narração em primeira pessoa.
José Oswald de Sousa de Andrade foi um grande dramaturgo e escritor brasileiro, nascido em São Paulo, que influenciou muito a literatura brasileira.
No trecho ele faz a narração em primeira pessoa, contando ele mesmo a história da qual participa. Falando sobre quando estudava e sobre um exame no qual se classificou.
As marcas linguísticas são as palavras, termos, que compões os textos.
Bons estudos!
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