Os Kaingang, uma sociedade ameríndia da família linguística Jê, habitantes do sul do Brasil, possuem xamãs, nomeados de kuiã, que provêm de somente uma metade (a metade Kamé) e que dispõem de um animal auxiliar associado à sua metade de origem. No plano sociológico, tudo se passa como se o xamanismo Kaingang envolvesse uma metade, que se ocupa, sem partilha ou complementaridade com a outra metade, de sua prática. Este fato contrasta com os outros aspectos da vida ritual Kaingang que se caracteriza pela obrigatoriedade complementar entre os membros das metades Kamé e Kairu. De um ponto de vista comparativo, o caso Kaingang difere da assimetria e da necessária complementaridade existente entre os Bororo, entre os xamãs Bope, quase sempre da metade Tugarege, e xamãs Aroe, que são quase sempre da metade Exarae. Bope e Aroe são complementos inversos um do outro que definem os polos ideológicos da sociedade bororo. Em contraste, o xamanismo Kaingang parece corresponder à forma restrita do princípio hierárquico que concebe uma oposição cujos componentes estão ligados por uma relação de contrariedade, a oposição hierárquica, definida como uma relação englobante-englobado. Um dos termos (Kamé) é idêntico ao todo e engloba o outro (Kairu). O dualismo permite o engendramento de contrastes úteis em função dos contextos muito variados e mutáveis, contrastes que são construídos a partir de princípios simples: o idêntico e o diferente, o uno e o múltiplo, o centro e a periferia, o masculino e o feminino, o alto e o baixo, etc. No plano de uma sociedade de organização dualista — como o caso dos Kaingang e Bororo demonstram — é importante determinar a relação respectiva das metades afim de compreender seu papel complementar e assimétrico na constituição da instituição da prática xamânica. Este estudo demonstra a
Os Kaingang do Brasil meridional
A vasta família linguística ameríndia Jê inclui os Timbira, os Kayapó, os Suyá, os Xerente, os Xavante, os Xokleng e os Kaingang (Maybury-Lewis, 1979). Além disso, associa-se culturalmente a eles os Bororo (Croker, 1985). Os Kaingang constituem atualmente o grupo Jê mais numeroso com cerca de 20 mil pessoas, que atualmente encontram-se, em boa parte, confinadas numa vintena de reservas administradas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Estas reservas se encontram em quatro Estados do Sul do Brasil: São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Os Kaingang são ainda pouco conhecidos do ponto de vista etnológico, embora seu território seja de acesso fácil em nossos dias. Paradoxalmente, no início dos anos 60, eles foram excluídos do famoso Harvard Central Brazil Project, consagrado ao estudo do dualismo das sociedades Jê: "because we thought [...] that their way of life was extinct" (porque pensávamos [...] que seu modo de vida estava extinto) (Maybury-Lewis). Ora, os Kaingang contemporâneos continuam pertencendo a Jê e dualistas e, eu acrescentaria, brasileiros. Com efeito, eles se definem ardorosamente em relação à sociedade nacional brasileira, da qual são cidadãos, e tentam manter um equilíbrio entre sua identidade ameríndia e uma vontade de participação em um conjunto nacional mais amplo.
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vc não e do brasil djdhsjsj
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