Artes, perguntado por Rafaelbcosta, 1 ano atrás

Obras de Artur bispo do rosário

Soluções para a tarefa

Respondido por stefanyleal2005
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Arthur Bispo do Rosário perambulou numa delicada região entre a realidade e o delírio, a vida e a arte. No refúgio de sua cela no Hospital Nacional dos Alienados, na Praia Vermelha, o paciente psiquiátrico produziu mais de mil obras consagradas no mercado internacional de arte contemporânea. Criou um universo lúdico de bordados,assemblages, estandartes e objetos durante os mais obscuros períodos da psiquiatria – época dos eletrochoques, lobotomias e tratamentos violentos aplicados para o controle de crises. Sem se dar conta, Bispo não só driblou os mecanismos de poder no manicômio como utilizou sobras de materiais dispensados no hospital para criar suas obras, inventando um mundo paralelo, feito para Deus.

Dizia-se um escolhido do todo-poderoso, encarregado de reproduzir o mundo em miniaturas. Eram suas “representações”, afirmava. Paradoxalmente, as obras, que deveriam representar tudo o que havia na Terra acabariam reconhecidas como peças de vanguarda, incluídas por críticos em importantes movimentos artísticos. Sua arte genial chegou a representar o Brasil na prestigiada Bienal de Veneza, além de correr museus pelo mundo, a exemplo do Jeu de Paume, em Paris. Curiosamente, em vida, Bispo recusava o rótulo de “artista”, dado o caráter divino de sua tarefa. Mas a potência de sua obra ignora limites e até hoje atravessa fronteiras, transgredindo convenções e levando espectadores de todo o mundo ao encantamento.

A história da “loucura” de Bispo remonta à noite de 22 de dezembro de 1938, quando, aos 29 anos, conduzido por um imaginário exército de anjos, andou pelas ruas do Rio com um destino certo: ia se “apresentar” na igreja da Candelária, no centro. Peregrinou pelas várias igrejas enfileiradas na rua Primeiro de Março e terminou no Mosteiro de São Bento, onde anunciou a uma confraria de padres que era um enviado, incumbido de “julgar os vivos e os mortos”. Detalhes dessa narrativa, meio real meio ficcional, constam de um estandarte bordado por Bispo, uma das belas peças de sua vasta obra, que mistura autobiografia e autoficção. É nesse estandarte que Bispo registra a frase-síntese de sua vida e obra Eu preciso destas palavras – Escrita. A palavra tinha para ele status extraordinário, por isso seus bordados estão repletos de nomes de pessoas, trechos poéticos, mensagens.

O dia 24 de dezembro de 1938 foi um divisor de águas psíquico para Bispo. Era Natal, ele se convertia na figura de Jesus Cristo, mas acabaria sob o domínio da psiquiatria. Interditado pela polícia dois dias após a sua “anunciação”, foi enviado ao Hospital Nacional dos Alienados, na Praia Vermelha, onde rótulos não tardariam a marcar sua ficha: negro, sem documentos, indigente.

MANTO DA APRESENTAÇÃO (detalhe): ele passou parte da sua vida bordando a peça para usá-la no dia do Juízo Final
Após algumas semanas de internação, com o diagnóstico de esquizofrênico- paranóico e sem que ninguém o reclamasse, Bispo foi transferido para a Colônia Juliano Moreira, hospício na época considerado “fim de linha”. Foi alojado no pavilhão 11 do núcleo Ulisses Viana em janeiro de 1939, um engradado destinado a doentes “perigosos”. As celas abrigavam apenas um fino colchão e, ao lado, um buraco no solo com fezes à mostra e insetos em volta.

Bispo era um dos “agitados”, na terminologia dos funcionários da Colônia. Chegou agressivo, passou um tempo preso, mas logo aprenderia a se virar. Ele havia prestado serviços à Marinha, dos 15 aos 23 anos, na função de sinaleiro-chefe. Como entre os esportes ali estimulados estava o boxe, Bispo se entregou de corpo e alma ao pugilismo. Por isto, guardas e enfermeiros logo viram nele um aliado. Forte e sisudo, o ex-boxeador rapidamente se tornou “xerife” do pavilhão. Criou um estilo próprio para deter os mais rebeldes: enrolava na mão um pano molhado entrelaçado nos dedos, como um soco inglês improvisado. O exercício do poder de xerife asseguroulhe posição privilegiada na hierarquia da instituição e lhe permitiu recusar eletrochoques e medicações.



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