O TEMPO É UM CAVALO GALOPANTE
Uma prece sobe apressada aos céus. Com as mãos agitadas, vou debulhando
cada continha do meu velho rosário. Peço a Deus que me conceda ainda muitos anos de
vida e, ao mesmo tempo, agradeço pelos 82 que já tenho. Dizem que sou geniosa, velha
rabugenta, e que não tenho senso de humor. Mas há muito tempo não ligo para o que
os outros pensam. Acho que uma mulher na minha idade já tem o direito de fazer certas
escolhas e a ter determinadas opiniões. Ou não? Em certa medida, acho até que a minha
limitação auditiva tem me poupado de certos aborrecimentos.
Não espero a morte. Vivo intensamente e não abro mão da minha liberdade.
Aliás, gosto muito de viver. Prefiro andar sozinha e, com frequência, dispenso a
companhia dos que me dizem o tempo todo o que devo fazer. Limitam as minhas
vontades. Por isso, gosto de estar sozinha e andar sem destino certo pelas ruas do
bairro. Apesar dos meus excessos, que confesso sem ressentimentos, não me descuido
dos meus remédios, companheiros desses últimos anos de jornada.
A bengala, de madeira tosca e ponta desgastada, testemunha a minha liberdade.
Gosto de ir com frequência à antiga estação de trem aqui do bairro. É uma alegria
indizível atravessar tantas vezes a linha férrea para revisitar a história da minha vida. O
coração acelera, a vida pulsa rapidamente, lentamente, a imagem de um vagão de trem,
velho e abandonado, forma-se lentamente na minha retina. Não, não digam que é
apenas uma composição velha e enferrujada. Representa a história das pessoas que
viveram e foram felizes aqui em outros tempos. Para a minha tristeza, infelizmente,
transformou-se num lugar abandonado que serve apenas de dormitório para as famílias
carentes do lugar.
Quando chegamos aqui, há algumas décadas, ainda não via o trem. Os meios de
transportes eram os ônibus velhos e caros, que paravam longe daqui, e tínhamos que ir
a pé até a Granja Portugal, onde ficava o final da linha da maior parte dos coletivos que
iam até o centro da cidade. Alguns moradores usavam bicicletas e um grupo
considerável de pessoas, iam para o trabalho a pé ou se locomoviam no lombo de
animas.
Quando disseram que seria construída uma estação ferroviária aqui, a notícia foi
recebida com grande alegria e se espalhou rapidamente.
A inauguração causou uma grande agitação no lugar. Era o progresso chegando,
o transporte de qualidade, a possibilidade de se deslocar mais rapidamente. Naquele
tempo, eu me lembro, as pessoas se vestiam de modo elegante. Para os homens que viajavam no trem, havia a exigência de usarem paletó e gravata. As mulheres, de
vestidos longos, não deixavam à mostra nenhuma parte do corpo e traziam a cabeça
coberta; tinham no braço esquerdo uma sombrinha e, à mão, um delicado leque.
Reproduziam a moda francesa que chegou por essas bandas.
A minha infância foi marcada pela pobreza quase indigente. Éramos doze filhos
e vivenciamos bem de perto experiência dolorosa da fome. Frequentamos um grupo
escolar paupérrimo, por pouco tempo. A escola, aliás, não era prioridade naquele
tempo. E nem tinha a importância que tem hoje na vida das pessoas. Lembro-me de que
naquele tempo não havia livros. Papai comprou uma única cartilha que serviria para
alfabetizar todos os filhos.
Fiquei na escola somente um ano. Nossa professora era generosa, paciente e educada
conosco. Significou para a mim uma das melhores referências que eu tive na infância.
Pertencia a uma família muito rica da região mas, infelizmente, teve uma experiência
dramática com o alcoolismo.
As brincadeiras daquele tempo eram bem diferentes das de hoje em dia. Nós
meninas, brincávamos de bonecas, que fazíamos com o sabugo de milho e, para enfeitá-
las, usávamos a palha do próprio milho para fazer os vestidinhos. Os meninos brincavam
de correr e pular corda. Também, gostavam de nadar nos rios e riachos da região.
Sempre tive aversão à água. Gosto é de terra firme. Nunca aprendi a nadar e, até hoje,
sequer conheci o mar.
Aqui, neste lugar, mais uma vez lanço a minha vista cansada na direção da
estação. E, olhando para este vagão velho, que para muitos é somente um sinal de
abandono, vejo passar diante de mim, todos os anos de uma infância feliz, quando as
pessoas eram menos complicadas e mais felizes. E, chego à conclusão de que o tempo é
um cavalo galopante e selvagem contra o qual nada podemos. Por isto, vivo
intensamente.
a) Qual o trecho o autor refere a lugares,objetos, costumes que já não existem e que são reconstruídos pelas experiências pessoais vividas
Por favor me ajudem. É pra hoje!
user3542:
Sem gracinha
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quando terminar de ler isso tudo ja e 2999
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