o que é conhecer segundo o filósofo Bergson
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O pensamento de Bergson, que, sob vários aspectos, assinala o superamento do naturalismo do século XIX, baseia-se numa distinção fundamental entre inteligência e intuição, distinção que sob denominações diversas encontramos em outros sistemas, tão penetrante foi a influência do mestre gaulês. A seu ver, o homem seria senhor de dois modos ou instrumentos fundamentais de conhecer, que seriam de natureza intelectiva um, e de ordem intuitiva o outro. São dois processos que se completam, cada qual dotado de certa qualidade ou de valor próprio. A inteligência é o grande instrumento da ciência, a poderosa alavanca mediante a qual o homem se torna senhor da realidade, subordinando-a a seus fins vitais.
O homem, colocado em face da realidade, procura dominá-la. Domina-a partindo-a, dividindo-a, seccionando-a. O meio de que o homem se serve para o domínio da natureza é a inteligência, que opera por meio de quantificação ou de espacialização. O conhecimento da ciência é quase que conhecimento quantificado, numérico. Bergson, no fundo, aceita a tese de Augusto Comte de que o ideal das ciências é a matemática. Uma ciência é tanto mais exata quanto mais se avizinha do ideal das matemáticas, abrangendo o real em fórmulas e equações. O conhecimento do físico, do químico ou do astrônomo atinge perfeição extraordinária, porque é suscetível de expressar-se numericamente, em súmulas quantitativas, que partem o movimento e o representam como algo abstrato, cindindo o real em uma sucessão de visões fragmentárias, cuja redução infinitesimal se harmoniza com as exigências do “cálculo”, essencial ao saber positivo. O homem quantifica, em suma, a natureza, para dominá-la, constituindo um sistema convencional de índices quantitativos.
O tempo, por exemplo, que dividimos em minutos e horas, anos e séculos, em si mesmo não possui essas divisões. Somos nós que as inventamos, para adaptá-lo à nossa existência. O homem modela o mundo segundo sua imagem, fragmentando o real graças à inteligência. Esta, que é uma faculdade de fabricar instrumentos destinados a fazer outros instrumentos (des outils à faire des outils) não pode representar a realidade tal como essencialmente é. Observa Bergson, que esse conhecimento fica, de certa maneira, na superfície das coisas. É um conhecimento instrumental, que tem significado e sentido tão-somente porque satisfaz a fins de ordem prática.
Sentimos, no entanto, a necessidade de achegarmo-nos ao ser, sem o intermédio dessas fórmulas numéricas fragmentárias e quantitativas; de entrar em contato direto e imediato com o “real”, o não suscetível de ser partido e quantificado. O real, diz Bergson, é fluido, contínuo e inteiriço. Somos nós que o partimos e fragmentamos. A realidade é “duração pura” sem hiatos e intermitências. Como será possível ao homem atingir aquilo que é em si uno e concreto, todo e contínuo, autêntico, não deturpado? O instrumento de penetração do homem no mundo da durée pure seria a intuição.