O que aconteceu com o escravo “forro” no Brasil?
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A história da escravidão também é a história da escrita sobre a escravidão, o que chamamos de historiografia da escravidão. Quando Gilberto Freyre publicou, em 1933, Casa Grande & Senzala aquela foi uma nova forma de falar sobre a escravidão, conectada à produção sociológica moderna, com particular influência da norte-americana, que propunha uma interpretação da formação social brasileira através da análise do escravismo, que adocicava a violência da escravidão, ao mesmo tempo em que valorizava o contributo do negro e da miscigenação à formação da família patriarcal brasileira.
Alguns anos depois surgiu, em A formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado Júnior, uma nova interpretação do escravismo, baseado na teoria marxista, que destacava o lugar da escravidão no processo de formação do capitalismo. Essa interpretação, predominante a partir dos anos 1960, no processo de institucionalização dos departamentos de ciências humanas nas universidades brasileiras, criticou a ideologia da democracia racial brasileira e viu na escravidão um fator decisivo para o caráter dependente de nossa economia e de exclusão social do negro. A superação dessa dependência viria pela ação de um Estado desenvolvimentista agressivo ou por meio de um processo revolucionário conduzido por uma vanguarda intelectual.
No fim dos anos 70 e início dos 80, uma nova geração de historiadores, dos quais destaco o brasilianista Russell-Wood, passava à crítica do pensamento marxista que, em última instância, acabara por reificar o ser escravo, e mesmo o negro, reafirmando uma caracterização da sociedade brasileira pela dicotomia senhor-escravo. Em contrapartida, a nova historiografia da escravidão propunha, por meio da valorização do trabalho empírico, a recuperação do lugar de escravos, libertos e homens negros ou mulatos livres como sujeitos da história, em uma sociedade que, destarte a construção jurídica da escravidão como instituição, era muito mais complexa do que geralmente se imagina. Como dito em texto anterior, acredito que a sociedade brasileira passa por um momento chave de transformação histórica e com ela a escrita da história também muda. Quero acreditar que, dessa vez, seja possível escrever e fazer história sem desfazer as diferentes contribuições e perspectivas acumuladas pelas artes e ciências humanas. Neste sentido, proponho uma reflexão sobre a escravidão que aproxime os aportes feitos pela história política e pela história social.
Como definem as Siete Partidas, corpo normativo medieval castelhano, que influenciou a elaboração das ordenações portuguesas, os “estatutos humanos” eram divididos em três categorias: escravos, forros e livres. Essa divisão social tripartite põe em causa a ideia de uma divisão dicotômica ou bipolar.
Ademais, havia uma perspectiva hierárquica e de distinção social em cada um desses “estatutos”, particularmente entre as pessoas livres. A liberdade de um senhor de engenho não era da mesma qualidade do que a de um índio. O dicionário de Raphael Bluteau, das primeiras décadas do século XVIII, exemplifica essa perspectiva distinta das relações sociais no verbete “igualdade”:
A Natureza nos fez iguais, mas para a harmonia do mundo moral, a razão, & a política introduziram a desigualdade, para que com boa proporção & ordem, tivessem todos os graus o seu lugar. Na Música o Uníssono é condenado, porque é infrutuoso; não pode a monotonia produzir consonância. Nos diferentes estados da vida, o maior responde ao Grave, o menor ao Agudo; do temperamento do Grave, & do Agudo se forma a melodia das vozes; da união do maior com o menor se originaram os acertos do governo. No igual não tem poder outro igual; É preciso no mundo igualdade desigual, ou semelhança com desigualdade (…) nas Repúblicas bem governadas, há uma desigualdade harmônica, que dando a cada um o que lhe convém, segundo a Geométrica proporção, mantém em todos boa ordem, & paz.
A ideia de “fazer justiça” e de bem governar significava, portanto, dar a cada um o que lhe cabia, segundo um ordenamento social fundamentado em desigualdades naturais ou históricas. O fato de o Brasil ser um dos países mais desiguais do mundo se explica, por um lado, pela persistência de hábitos e valores do Antigo Regime e da sociedade escravista, e por outro, por sua inserção dependente no capitalismo, que reforçou a ideia de que a ascensão social depende do esforço individual.
Alguns anos depois surgiu, em A formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado Júnior, uma nova interpretação do escravismo, baseado na teoria marxista, que destacava o lugar da escravidão no processo de formação do capitalismo. Essa interpretação, predominante a partir dos anos 1960, no processo de institucionalização dos departamentos de ciências humanas nas universidades brasileiras, criticou a ideologia da democracia racial brasileira e viu na escravidão um fator decisivo para o caráter dependente de nossa economia e de exclusão social do negro. A superação dessa dependência viria pela ação de um Estado desenvolvimentista agressivo ou por meio de um processo revolucionário conduzido por uma vanguarda intelectual.
No fim dos anos 70 e início dos 80, uma nova geração de historiadores, dos quais destaco o brasilianista Russell-Wood, passava à crítica do pensamento marxista que, em última instância, acabara por reificar o ser escravo, e mesmo o negro, reafirmando uma caracterização da sociedade brasileira pela dicotomia senhor-escravo. Em contrapartida, a nova historiografia da escravidão propunha, por meio da valorização do trabalho empírico, a recuperação do lugar de escravos, libertos e homens negros ou mulatos livres como sujeitos da história, em uma sociedade que, destarte a construção jurídica da escravidão como instituição, era muito mais complexa do que geralmente se imagina. Como dito em texto anterior, acredito que a sociedade brasileira passa por um momento chave de transformação histórica e com ela a escrita da história também muda. Quero acreditar que, dessa vez, seja possível escrever e fazer história sem desfazer as diferentes contribuições e perspectivas acumuladas pelas artes e ciências humanas. Neste sentido, proponho uma reflexão sobre a escravidão que aproxime os aportes feitos pela história política e pela história social.
Como definem as Siete Partidas, corpo normativo medieval castelhano, que influenciou a elaboração das ordenações portuguesas, os “estatutos humanos” eram divididos em três categorias: escravos, forros e livres. Essa divisão social tripartite põe em causa a ideia de uma divisão dicotômica ou bipolar.
Ademais, havia uma perspectiva hierárquica e de distinção social em cada um desses “estatutos”, particularmente entre as pessoas livres. A liberdade de um senhor de engenho não era da mesma qualidade do que a de um índio. O dicionário de Raphael Bluteau, das primeiras décadas do século XVIII, exemplifica essa perspectiva distinta das relações sociais no verbete “igualdade”:
A Natureza nos fez iguais, mas para a harmonia do mundo moral, a razão, & a política introduziram a desigualdade, para que com boa proporção & ordem, tivessem todos os graus o seu lugar. Na Música o Uníssono é condenado, porque é infrutuoso; não pode a monotonia produzir consonância. Nos diferentes estados da vida, o maior responde ao Grave, o menor ao Agudo; do temperamento do Grave, & do Agudo se forma a melodia das vozes; da união do maior com o menor se originaram os acertos do governo. No igual não tem poder outro igual; É preciso no mundo igualdade desigual, ou semelhança com desigualdade (…) nas Repúblicas bem governadas, há uma desigualdade harmônica, que dando a cada um o que lhe convém, segundo a Geométrica proporção, mantém em todos boa ordem, & paz.
A ideia de “fazer justiça” e de bem governar significava, portanto, dar a cada um o que lhe cabia, segundo um ordenamento social fundamentado em desigualdades naturais ou históricas. O fato de o Brasil ser um dos países mais desiguais do mundo se explica, por um lado, pela persistência de hábitos e valores do Antigo Regime e da sociedade escravista, e por outro, por sua inserção dependente no capitalismo, que reforçou a ideia de que a ascensão social depende do esforço individual.
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