Português, perguntado por hs320491, 6 meses atrás

o que a familia tem a ver com o estupro?

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Resposta:

FAMILIARES OU DESCONHECIDOS?

A relação entre os protagonistas

do estupro no fluxo do Sistema de

Justiça Criminal*

Joana Domingues Vargas

RBCS Vol. 14 no

40 junho/99

Introdução

Neste artigo, pretendo mostrar as vantagens,

para o estudo dos crimes e de seus protagonistas,

de se deslocar a análise das decisões tomadas em

cada subsistema do Sistema de Justiça Criminal —

polícia, Ministério Público e varas criminais — para

a investigação do fluxo de procedimentos e da

clientela que atravessa essas diferentes organizações.1

Para tanto, focalizarei o crime de estupro,

tomando por objeto uma das características dos

envolvidos: o relacionamento existente entre eles.

O objetivo é investigar em que medida a natureza

e o grau do relacionamento entre agressor e vítima

determinam, neste tipo de crime, as decisões do

Sistema de Justiça Criminal, e se há diferenças no

tratamento dado a agressores conhecidos e desconhecidos da vítima pelos três subsistemas, nas

várias fases do fluxo.

Estatísticas de crimes sexuais

Boa parte da literatura produzida sobre a

violência contra a mulher, a criança e o adolescente

no Brasil tem privilegiado, como fonte de pesquisa,

documentos elaborados no Sistema de Justiça Criminal.2

Estatísticas produzidas a partir de boletins

de ocorrências, da análise de processos e de prontuários de medicina legal vêm derrubando alguns

mitos até então predominantes no universo simbólico em geral. Em relação ao crime de estupro, um

desses mitos consistia em acreditar que os agressores são desconhecidos da vítima (Souza et al.,

1993).

Os primeiros dados mais consistentes trazidos

a público (Azevedo e Azevedo Guerra, 1988; Cohen e Matsuda, 1990, apud Cohen, 1993) 3

relativos

à violência sexual em geral (estupro, tentativa de

estupro, atentado violento ao pudor) buscaram

revelar o grau de parentesco existente entre as

* Uma parte dos dados da pesquisa que resultou neste

texto foi utilizada na elaboração de minha dissertação

de mestrado, realizada sob a orientação da professora

Alba Zaluar. A outra parte encontra-se em fase de

organização e análise e está sendo desenvolvida para o

doutorado, sob a orientação do professor Edmundo

Campos Coelho. Obtive financiamento da CAPES, da

Fundação João Pinheiro e, atualmente, do CNPq. Também recebi bolsa da Anpocs e do FAEP/Unicamp.

Agradeço a colaboração de Selma Christien Rodrigues

(na fase da delegacia), Beatriz Caiubi Labate (na fase do

Fórum), Gustavo Aprile Rossi e Fábio Fonseca Duarte

(na codificação dos dados e observação estatística), e as

leituras de Patrícia Campos de Sousa e de Lea Carvalho

Rodrigues.

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partes. Entretanto, os resultados apresentavam tal

disparidade que era impossível atribuí-la apenas às

diferentes lógicas empregadas pelas organizações

que os produziram;4

antes se devia às metodologias diversas utilizadas pelos pesquisadores. Azevedo e Azevedo Guerra (1988), reproduzindo as

designações contidas nos boletins de ocorrências

(BOs), que não contemplam nenhum registro sobre

o relacionamento entre agressor e vítima, encontraram apenas 0,05% de casos de incesto. Já Cohen e

Matsuda (1990, apud Cohen, 1993), a partir de

entrevistas realizadas com vítimas atendidas no

Instituto Médico Legal (IML), identificaram 21% de

casos incestuosos.5

Uma análise e comparação

desses dados, realizadas posteriormente por Saffiotti (1994), apontam, além desta, uma outra razão

para explicar essa diferença nas porcentagens: a

criação de delegacias especializadas no atendimento a esses crimes — as Delegacias de Defesa da

Mulher (DDMs) —, provável responsável pelo

aumento das queixas no período decorrido entre

uma e outra investigação. Neste mesmo estudo,

após sanar a ausência de informação com respeito

ao relacionamento entre os envolvidos nos BOs das

1ª e 8 ª DDMs de São Paulo, a autora encontrou,

para a primeira delegacia, 23,2% de estupros incestuosos em 1991 e 36% em 1992; já para a segunda,

registrou 25% de estupros incestuosos em 1992.6

Em estudo mais recente, Pimentel et al. (1998),

analisando dados de estupros coletados em 50

processos referentes às cinco regiões brasileiras,

concluíram que 70% dos envolvidos se conheciam

e, destes, 18% mantinham relacionamentos incestuosos.7

Três considerações a respeito desses dados.

A primeira, mais óbvia, é que eles se referem às

denúncias absorvidas pelo Sistema de Justiça Criminal e não às manifestações efetivas desses crimes na sociedade. Conforme observaram todos os

que estudaram esta modalidade de crime, há uma

diferença entre a realidade e o que vem a público

difícil de ser mensurada.

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