O povo: suas cores, suas dores
— Geneci...
— Senhora?
— Preciso falar com você.
— O que foi? O almoço não estava bom?
— O almoço estava ótimo. Não é isso. Precisamos conversar.
— Aqui na cozinha?
— Aqui mesmo. O seu patrão não pode ouvir.
— Sim, senhora.
— Você...
— Foi o copo que eu quebrei?
— Quer ficar quieta e me escutar?
— Sim, senhora.
— Não foi o copo. Você vai sair na escola, certo?
— Vou, sim senhora. Mas se a senhora quiser que eu venha na Terça...
— Não é isso, Geneci!
— Desculpe.
— É que eu... Geneci, eu queria sair na sua escola.
— Mas...
— Ou fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Não agüento ficar fora do Carnaval.
— Mas...
— Vocês não têm, sei lá, uma ala das patroas? Qualquer coisa.
— Se a senhora tivesse me falado antes...
— Eu sei. Agora é tarde. Para a fantasia e tudo o mais. Mas eu improviso uma baiana. Deusa grega, que é só um lençol.
— Não sei...
— Saio na bateria. Empurrando alegoria.
— Olhe que não é fácil...
— Eu sei. Mas eu quero participar. Eu até sambo direitinho. Você nunca me viu sambar? Nos bailes do clube, por exemplo. Toca um samba e lá vou eu. Até acho que tenho um pé na cozinha. Quer dizer. Desculpe.— Tudo bem.
— Eu também sou povo, Geneci! Quando vejo uma escola passar, fico toda arrepiada.
— Mas a senhora pode assistir.
— Mas eu quero participar, você não entende? No meio da massa. Sentir o que o povo sente. Vibrar, cantar, pular, suar.
— Olhe...
— Por que só vocês podem ser povo? Eu também tenho direito.
— Não sei...
— Se precisar pagar, eu pago.
— Não é isso. É que...
— Está bem. Olhe aqui. Não preciso nem sair na avenida. Posso costurar. Ajudar a organizar o pessoal. Ajudar no transporte. O Alfa Romeo está aí mesmo. Tem a Caravan, se o patrão não der falta. É a emoção de participar que me interessa, entende? Poder dizer "a minha escola...". Eu teria assunto para o resto do ano. Minhas amigas ficariam loucas de inveja. Alguns iam torcer o nariz, claro. Mas eu não sou assim. Eu sou legal. Eu não sou legal com você, Geneci? Sempre tratei você de igual para igual.
— Tratou, sim senhora.
— Meu Deus, a ama-de-leite da minha mãe era preta!
— Sim, senhora.
— Geneci, é um favor que você me faz. Em nome da nossa velha amizade. Faço qualquer coisa pela nossa escola, Geneci.
— Bom, se a senhora está mesmo disposta...
— Qualquer coisa, Geneci.
— É que o Rudinei e Fátima Araci não têm com quem ficar.
— Quem?
— Minhas crianças.
— Ah.
— Se a senhora pudesse ficar com eles enquanto eu desfilo...
— Certo. Bom. Vou pensar. Depois a gente vê.
— Eu posso trazer elas e...
— Já disse que vou pensar, Geneci. Sirva o cafezinho na sala.
Compreensão do texto
1.Observe que todo texto é construído em forma de diálogo, isto é, ele reproduz diretamente as falas das personagens, sem intromissão do narrador. Que efeito esse recurso provoca no texto?
2. A patroa conversa com a empregada.
a)Em que lugar ocorre a conversa?
b) O que Geneci imaginava que a patroa fosse dizer?
c)Pelo inicia da conversa, como você acha que tem sido a relação entre a patroa e a empregada até o momento? Por quê?
3.A patroa deseja participar do desfile da escola de samba de Geneci. Até então, a patroa tinha mostrado interesse pela escola de samba ou pelo carnaval? Justifique sua resposta.
4. Para convencer Geneci, a patroa utiliza vários argumentos. Veja:
a.Não quer ficar de fora do carnaval;
b.Samba bem;
c.Quer sentir o que o povo sente;
d.Ela também é povo;
e.Arrepia-se quando a escola de samba passa;
f. Pode pagar;
g. Pode ajudar no transporte, nas costuras;
h.Vai ter assunto o resto do ano;
i.Vai causar inveja nas amigas.
I.Quais desse itens são argumentos que visavam convencer Geneci?
II. Quais deles revelam os motivos reais de a patroa querer participar do carnaval?
5. Para aproximar-se de Geneci e conseguir seu apoio, a patroa se diz parte do povo e afirma que sempre tratou a empregada de “igual para igual”. Observe os pronomes de tratamento utilizados pelas duas.
a.Com que pronome a patroa trata a empregada? E que pronome Geneci utiliza para dirigir-se à patroa?
b.Essas formas de tratamento confirmam a suposta igualdade entre elas?
6.Além de abordar a questão da diferença social, o texto também faz referência à diferença étnica entre as personagens.
a. Qual é a cor da patroa e da empregada?
b. Para justificar que samba bem, a patroa diz “Até acho que tenho um pé na cozinha”. O que ela quis dizer com isso?
c.Levante hipóteses: Por que a patroa se desculpa por ter dito que tem “um pé na cozinha”?
7.Segundo o texto, a ama-de-leite da mãe da patroa era preta. Conclua:
a.Que semelhança há entre Geneci e a ama-de-leite da mãe da patroa quanto a características profissionais, sociais e étnicas?
b.Que semelhança há entre a patroa e a mãe dela, do ponto de vista social e étnico?
c. Com que finalidade a patroa menciona a ama-de-leite de sua mãe? Justifique sua resposta.
Soluções para a tarefa
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