O pau de dois bicos
Um morcego estonteado pousou certa vez no ninho da coruja, e ali ficaria de dentro se a coruja ao regressar não investisse contra ele.
— Miserável bicho! Pois te atreves a entrar em minha casa, sabendo que odeio a família dos ratos?
— Achas então que sou rato? Não tenho asas e não voo como tu? Rato, eu? Essa é boa!…
A coruja não sabia discutir e, vencida de tais razões, poupou-lhe a pele.
5 Dias depois, o finório morcego planta-se no casebre do gato-do-mato. O gato entra, dá com ele e chia de cólera.
— Miserável bicho! Pois te atreves a entrar em minha toca, sabendo que detesto as aves?
— E quem te disse que sou ave? – retruca o cínico – sou muito bom bicho de pelo, como tu, não vês?
— Mas voas!…
— Voo de mentira, por fingimento…
10 — Mas tem asas!
— Asas? Que tolice! O que faz a asa são as penas e quem já viu penas em morcego? Sou animal de pelo, dos legítimos, e inimigo das aves como tu. Ave, eu? É boa…
O gato embasbacou, e o morcego conseguiu retirar-se dali são e salvo.
Moral da Estória:
O segredo de certos homens está nesta política do morcego.
É vermelho? Tome vermelho. É branco? Viva o branco!.
(LOBATO, Monteiro. Fábulas. In Obra infantil completa: Edição Centenário – 1882-1982. São Paulo : Brasiliense, 1992, p. 453)
As fábulas têm sempre um sentido moralista, representando em animais um exemplo de comportamento humano.
a) Interprete a “moral da história”, relacionando-a com o título da fábula.
b) Pode-se dizer que o autor concorda com essa moral da história? Explique.
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Resposta:
a) O título, “pau de dois bicos”, significa “fazer jogo duplo”, “defender simultaneamente duas ideias opostas para não contrariar ninguém". O morcego alegou ter as características de cada animal que procurou expulsá-lo. Assim há um paralelismo entre os argumentos do morcego (é ave? tome ave (eu voo); é animal de pelo? tenho pelo), as frases "É vermelho? Tome vermelho. É branco? Viva o branco!" e os dois bicos, nos extremos opostos de um pau, referidos no título.
b) Não se pode fazer essa afirmação. É evidente que essa moral da história é irônica, ou seja, ela não é apresentada como um modelo de virtude e de bem viver, mas como uma crítica às pessoas que se comportam como "paus de dois bicos".
Explicação:
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