O menino sem imaginação
Maria botou o jantar e pela primeira vez, desde que nasci, vi toda a família reunida à volta da mesa.
- Como nos velhos tempos! – exclamou o vovô satisfeito.
Ele disse que no passado era assim: as pessoas sentavam juntas, conversavam e trocavam ideias na hora das refeições. Disse que foi a chegada da televisão que provocou uma debandada geral. Eu fiquei calado, mas me irrita muito ver alguém falando mal da televisão. Para mim ela apenas permitiu que cada um comesse quando quisesse, porque as pessoas não são obrigadas a sentir fome à mesma hora.
- Vamos conversar sobre o quê? – perguntou o vovô; que não obtendo resposta continuou:
- Não podemos perder esta oportunidade. Ela talvez não se repita nunca mais.
- Qualquer coisa – resmungou mamãe desinteressada.
- Eu queria fazer um comentário sobre o jogo...
- Ah! Futebol não! – mamãe cortou a frase de papai.
- Então vamos meter o pau no Governo – propôs vovô.
- Política nem pensar! – voltou mamãe.
- Existe algum tema mais relevante do que o sumiço da televisão? – indagou titia.
- Ah! Eu não aguento falar mais sobre isso! – disse papai.
- Nem eu! – concordou a mana.
E mergulhamos todos num longo silêncio.
Eu havia colocado Fantástica sobre o aparador, na minha frente, mantendo seu controle remoto ao lado do meu prato, como um talher. Não acreditava que a TV fosse demorar muito mais fora do ar, porque papai falou que os donos das emissoras são poderosos “e logo vão dar um jeito nisso”.
Eu dava uma garfada, ligava e desligava Fantástica; dava outra garfada, ligava e desligava e ligava e desligava, até que papai saiu de seu silêncio e bateu na mesa:
- Para com isso, Tavinho! Que mania!
- Só quero saber quando a imagem vai voltar.
- Você vai saber! Vai ser uma barulhada infernal por esse país afora!
A comida estava uma gororoba intragável. Maria é uma grande cozinheira, mas desta vez errou a mão, salgou tudo e queimou o arroz. Eu deixei cair um pedaço de goiabada no chão, titia se engasgou com a farofa e mamãe virou a garrafa de água na toalha. Minha irmã, que não perde uma chance, falou que “o sumiço da televisão está mexendo com o equilíbrio de muita gente”. Mamãe, eu se manteve calada o tempo todo, resolveu apelar:
- Amanhã cedinho vou à igreja iniciar uma novena para Nossa Senhora fazer com que a televisão volte logo.
- E eu vou à minha astróloga – emendou titia. – Talvez a conjuntura astrológica explique alguma coisa...
- E eu vou procurar o pastor da minha igreja – arrematou Maria, de passagem.
O jantar acabou e as pessoas ficaram vagando pelo apartamento feito almas penadas. Eu mesmo não sabia o que fazer. Experimentava uma sensação esquisita, das naves. Foi me dando sono, uma vontade de me encolher debaixo das cobertas.
Minha irmã, ao me ver acabrunhado num canto, veio até mim:
- Não fique assim, irmãozinho – disse carinhosa.
- Fico assim. – resmunguei – A vida perdeu o sentido pra mim.
- Que bobagem! – ela sorriu meiga. – A televisão é um eletrodoméstico.
- Pra mim é muito mais! É minha razão de viver!
- A humanidade viveu milhares de anos sem televisão, Tavinho, e nunca deixou de fazer as coisas
- Pois eu sou aquela parte da humanidade que não saber fazer as coisas sem televisão.
A mana sorriu e afogou meus cabelos, delicada:
- Não adianta ficar emburrado. Faz o jogo do faz de conta. Ás vezes é preciso brincar para se suportar melhor a realidade.
- Faz de conta o quê? O quê? – perguntei desafiador.
- Por que você faz de conta que engoliu a TV?
Lá vinha ela com suas birutices.
- Eu? Engolir a televisão?
[...]
MORAES, Carlos Eduardo. O menino sem imaginação. Ed. 6. São Paulo: Ática, 1997.
EXERCÍCIOS
01) Leia esse fragmento do texto:
,"Maria botou o jantar e pela primeira vez, desde que nasci, vi toda a família reunida à volta da mesa.
– Como nos velhos tempos! – exclamou o vovô satisfeito."
O que é possível perceber sobre a rotina da casa?
02) Como o vovô e o menino estão se sentindo no jantar? E qual a opinião que cada um tem sobre a televisão?
03) Leia esta fala do vovô:
“– Não podemos perder esta oportunidade. Ela talvez não se repita nunca mais.”
A qual oportunidade ele se refere?
04) De acordo com o narrador a personagem mamãe parece estar indiferente, ou seja, poderiam conversar sobre qualquer assunto. Essa informação é comprovada na fala da mamãe? Explique.
05) Qual outro assunto você poderia sugerir para a família conversar?
06) Na fala da personagem titia, é usada a expressão “tema mais relevante”, quando ela se refere ao sumiço da TV. Com base nas respostas dadas pelo pai e pela irmã, como os acontecimentos importantes são abordados pelas pessoas?
07) Releia esse fragmento: "Eu havia colocado Fantástica sobre o aparador, na minha frente, mantendo seu controle remoto ao lado do meu prato, como um talher."
Quem é fantástica? Poderíamos chamá-la de personagem? Por quê?
Eu sei que é longa só que se alguém souber me ajude pfv
Soluções para a tarefa
Resposta:
1)É possível perceber que a família não se reúne em volta da mesa para o jantar, desde o nascimento do tal narrador
2)O vovô está satisfeito e diz que “foi a chegada da televisão que provocou uma debandada geral”. Já o menino está irritado diz que a TV “apenas permitiu que cada um comesse quando quisesse”.
3) O sujeito (vovô) se refere a oportunidade que nunca mais se repetirá (objeto indireto)
5)Poderia falar sobre gosto para programas de TV, conversar sobre um filme ou uma série, sobre seus gostos e suas preferências ou até mostrar algo que gosta
Fantástica é o nome que Tavinho dá à televisão. Poderíamos chamá-la de personagem, pois ela é tratada como um ser e é devido ao seu estado (fora de ar) que todo o enredo da história se desenvolve.
DESCULPA NÃO CONSEGUI A (4) (6) E A (7) :(