O golpe do aniversariante
Sou um dos primeiros a chegar. Estou no
restaurante, o indiano mais requintado de
São Paulo. Na mesa já prevista a
aniversariante me espera, radiosa. Beijos
trocados. Recende a perfume francês.
Ofereço meu presentinho, coisa simples,
porque os tempos... Ela abre um sorriso de
madre-pérola:
- O importante é você ter vindo!
Sinto-me aquecido sem perceber o que
estava por trás daquelas palavras. Chega um
grupo aos gorjeios. Pedem os pratos. Estou
extasiado e, francamente, também
morrendo de inveja. Até há um ano minha
amiga não podia dar festa nem na porta da
padaria. Que evolução mais rápida! Ganhou
uma herança, será? Reflito: talvez esteja
realizando um sonho. estourando a
poupança, coitada. Decido ser discreto.
Recuso o uísque. Peço o prato mais
simplesinho. Ela que coma camarões, é o seu
dia!
Um grupo animado no fim da mesa se
esbalda nas luxúrias. Penso, com o coração
apertado, quanto ela vai gastar. Logo
descubro: nada. Quando chega a dolorosa,
ela dá um sorriso diáfano e começa a elogiar
a própria festa com a pessoa mais próxima.
Durante um tempo, o silêncio pesa mais que
os temperos indianos. Alguém finalmente
diz, baixinho:
- Vamos dividir?
Rápida, a aniversariante oferece:
- Quer uma calculadora?
Minha garganta ferve, sinto que meu nariz
está igual a uma tromba de elefante. Tenho
de pagar por todos os camarões que não
comi, o vinho que não provei, enquanto os
gulosos rolavam sobre as especiarias. A
malvada sorri:
- E a minha parte?
Nós todos nos apressamos em dizer que a
aniversariante não paga. Quase tenho uma
congestão enquanto ela desfruta o sucesso
de uma festa cujo valor teria pago seu saldo
do apartamento. Penso até em tomar o
presente de volta.
Descubro que essa é a última moda na
cidade. Os aniversariantes fazem festas em
restaurantes e casas noturna. Convidam,
mas não avisam que os custos são por conta
do amigo incauto. Uma conhecida foi, dia
desses, com o namorado, a uma boate
elegante. Imaginou que o dono da festa tinha
fechado parte da casa. Abraçou-o com
lágrimas nos olhos pela glória. O que pedia o
garçom trazia. Ao sair, foi barrada na porta:
- A senhora não pagou a conta.
Ela sorriu, cordial:
- Sou convidada.
Descobriu que o convite só isentava da
consumação obrigatória. Quase foi parar na
polícia. Ela e o consorte andam numa dieta à
base de água e batata chips até hoje, para
driblar o cheque especial. Não foi a única.
Outra noite, o cantor Jair Rodrigues foi visto
na porta de uma boate chique na mesma
situação:
tentando se safar de um aniversário.
Venceu.
É incrível como nessas horas as mulheres se
mostram rápidas em olvidar certas
conquistas do feminismo para se comportar
como ladies inglesas do século XVII. Fui
apanhado em outra dessas festas-truque em
um restaurante caríssimo, há algum tempo.
Um rapaz elegera um grupo para celebrar a
idade da namorada. Quando a nota chegou,
parecia conter material
radioativo. Ninguém tocava. Até que um
cavalheiro propôs a divisão entre os homens!
Não houve nem um trinado de protesto.
Todas as universitárias, profissionais liberais
e mesmo uma empresária capaz de usar óleo
fervente em devedores relapsos sorriram
docemente, dando pequenos suspiros
ancestrais. Eu, que fui sozinho, além de
pagar a bebida alheia, ainda por cima dividi
o cardápio da namorada de algum felizardo.
Por isso aprendi: hoje, quando recebo um
convite, viro e reviro. Salvei-me,recentemente, ao notar a ressalva de uma
festa em uma danceteria da moda: "Isento
de consumação". Ah, é? Só não consigo
entender por que as pessoas não festejam
em casa, talvez pedindo que a gente leve
uma bebida. Parece que se sentem mais
chiques em lugares da moda.
Faz dois dias, ouvi na minha secretária
eletrônica um recadinho justamente da
mesma espertinha com quem iniciei a
história:
- É meu aniversário. Vou ficar muito triste se
você não for!
Chore. Do que adianta um prato de lagosta
se, no final minha carteira será agarrada por
tenazes?
Retirado do livro: Para gostar de ler,
Volume 20;
Walcyr Carrasco - O golpe do
aniversariante
e outras crônicas
O texto que você acaba de ler é uma crônica narrativa e como você já estudou antes, é um gênero
textual que trata de um assunto do dia-a-dia apresentando uma reflexão, ou seja, a opinião do autor a
respeito do assunto narrado. O escritor, por esse motivo, faz parecer que o fato narrado acaba de
acontecer com ele. Normalmente, a crônicas narrativas são cômicas, exploram o humor quando o autor
propõe a sua reflexão.
Sobre a cônica, faça a questões.
1ª – Qual é assunto, ou tema, apresentado? É possível comprovar que se trata de um assunto
cotidiano? E ainda, indique qual o posicionamento do autor, ele é contra ou a favor?
2ª – Qual seria a finalidade de um texto como este?
3ª A que público, na sua opinião, esse texto se destinaria?
Soluções para a tarefa
Respondido por
2
Resposta: 1- não ,porque fala sobre um aniversário e aniversários não acontecem todos os dias no texto tá , no nosso cotidiano ai sim todos os dias pessoas fazem aniversário neh. no começo ele aceitou a ideia mas depois ele mudou . 2- do leitor/ouvinte raciocinar sobre esse texto pensar . 3- aos que estavam presentes na festa se for do texto ,e se for na nosso cotidiano ai ia pra revistas , talvez jornais , redes sociais, etc...
Explicação:
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