O Diabo e a Terra de Santa Cruz – Laura de Mello e Souza
Segundo a obra da historiadora Laura de Mello e Souza, a descoberta do Brasil, em 1500, adquiriu um status sobrenatural e miraculoso: por muitos anos, Deus mantivera oculta a existência desta dilatada região, desvendando-a por fim aos olhos dos homens e permitindo que deste tesouro colhesse o Céu “multiplicados lucros. Para o frade Jaboatão, o sobrenatural intervém positivamente no caso do descobrimento do Brasil: este é uma ação divina, foi Deus quem, através de seus desígnios insondáveis, conduziu os homens até aqui. O descobrimento revela e reforça a existência de Deus: milagre divino, eis o que foi achamento da colônia portuguesa na América.
Para os europeus, os habitantes do Novo Mundo constituíam em uma outra humanidade, fantástica, e também monstruosa. No mundo precário do homem medieval, surgia a necessidade de nomear e encarnar o desconhecido a fim de manter o medo nos limites do suportável: monstros descritos pela religião (Satã), monstros descritos pelos bestiários (unicórnios, dragões, sereias), monstros humanos individuais (aleijados, leprosos).
Dentre os cronistas que escreveram sobre o Brasil no século XVI, muitos se referiam a monstros marinhos:
Noite alta, uma índia avistou o monstro “movendo-se de uma parte para outra com passos e meneios desusados e dando alguns urros de quando em quando”; ia ele por uma várzea junto ao mar, e era tão feio “que não podia ser senão o demônio”. O rapaz que o matou, chamado Baltazar Ferreira, andou como “assombrado, sem falar cousa alguma por um grande espaço”. Na língua da terra, aquele ser se chamava hipupiára.
Uma outra face da percepção europeia sobre o homem americano era de inevitável demonização. Dizia Frei Vicente que o demônio perdera o controle sobre a Europa – cristianizada – e se instalara na América, mais especificamente no Brasil. A infernalidade do demo chegará até a colorir o nome da colônia: Brasil, para o religioso, lembra as chamas infernais, vermelhas.
O monstro Hipupiára
Senhor das terras coloniais – como diz Frei Vicente -, o diabo não entregaria o eu povo de mão beijada ao inimigo; a cada avanço da evangelização, ele esbravejaria, demonizando a natureza e se inscrevendo no cotidiano. Um rio caudaloso podia ser habitado por diabos: é o padre Jerônimo Rodrigues quem tece esta consideração. Viajando de Paranaguá para o Porto de Dom Rodrigo, deparou com um rio São Francisco “tão perturbado, que parecia andarem ali visivelmente os demônios, que ali fervia em pulos para o céu, que punha espanto.
Constatada nos hábitos e na vida cotidiana, confirmada nas práticas mágicas e nas feitiçarias, a demonização do homem colonial expandiu-se da figura do índio para a do escravo, e por fim, para os demais colonos. Para se esquivarem dos castigos rigorosos, os escravos negros recorriam a “artes diabólicas”. No início do século XVIII, temendo revoltas escravas e enxergando sublevações por toda parte, o conde de Assumar via nas Minas Gerais a natureza sendo insuflada pelo clima de rebelião.
Em 23 de julho de 1776, Domingos Marinho, natural de Vila Rica, confessava junto à Inquisição que, por padecer de “algumas enfermidades, chamara a curandeira Maria Cardosa e seu afilhado Antônio, de 16 anos, ambos pretos forros. Estes fizeram várias orações, correndo-lhe o corpo com uma pedrinha branca, depois com uma navalha amarrada com novelo de algodão. Rezaram ainda para a Santíssima Trindade, para São Domingos, para São Francisco, falando na sua língua”. No final da confissão, declarou: “Estas Minas estão bastante infectadas do Demônio”. Atemorizado, Domingos falava com a voz da Inquisição, dos poderes estabelecidos.
1. A partir da leitura dos fragmentos do livro de Laura de Mello e Souza, qual era a percepção que os europeus tinham da colônia brasileira num geral?
2. Em sua opinião, esses relatos que versavam sobre a presença de demônios em terras brasileiras, eram verídicos? Justifique.
3. Faça uma pesquisa sobre atuação do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição) no Brasil. (10 linhas).
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1. A partir da leitura dos fragmentos do livro de Laura de Mello e Souza, qual era a percepção que os europeus tinham da colônia brasileira num geral?
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