O ANO MIL
"0 ANO MIL NA VISÃO DO CRONISTA RAUL GLABER
No ano milésimo depois da Paixão do Senhor, após a dita fome desastrosa, as chuvas das nuvens acalmaram-se obedecendo à bondade e à misericórdia divina. O céu começou a rir, a clarear e animou-se de ventos favoráveis. Pela sua serenidade e paz, mostrava a magnanimidade do Criador. Toda a superfície de terra cobriu-se de uma amável verdura e de uma abundância de frutos que expulsou completamente a privação [...] inúmeros doentes reencontraram a saúde nessas reuniões, onde se haviam levado tantos santos. E, para que ninguém tomasse isso por fantasmas, aconteceu muitas vezes que o momento em que braços ou pernas torcidos retomavam sua primitiva retidão, se visse a pele rasgar-se, a carne abrir-se, o sangue correr aos borbotões: isto para que fosse dado crédito aos casos para os quais a dúvida podia subsistir. O entusiasmo era tão ardente que os assistentes elevavam as mãos a Deus exclamando em uníssono: 'Paz! Paz! Paz!'. Viam o sinal do pacto definitivo, da promessa estabelecida entre eles e Deus. Além disso estava assente que passados cinco anos, para consolidar a paz, todos renovariam no mundo inteiro estas manifestações com um esplendor maravilhoso. Todavia, neste mesmo ano, o trigo, o vinho, e os outros frutos da terra foram em tal abundância que se não poderia esperar uma quantidade semelhante para o conjunto dos cinco anos seguintes. Todo o alimento bom para o homem, à parte a carne e iguarias delicadas, nada mais valia; era como no antigo tempo do grande Jubileu mosaico. No segundo, no terceiro e no quarto anos, a produção não foi menor [...]. Como se aproximava o terceiro ano que se seguiu ao Ano Mil, viu-se em quase toda a terra, mas sobretudo na Itália e na Gália, renovar as basílicas das igrejas; embora nenhuma necessidade tivesse disso, uma emulação levava cada comunidade cristã a ter uma mais suntuosa do que as outras. Era como se o próprio mundo tivesse sido sacudido e, despojando-se da sua vetustez, se tivesse coberto por toda a parte com um manto branco de igrejas. Então, quase todas as igrejas das sés episcopais, os santuários monásticos dedicados aos diversos santos, e mesmo os pequenos oratórios das aldeias, foram reedificados mais belos pelos fiéis. (Raul Glaber. Les cinq livres de ses histoires (900-1044). Prou, M. (Ed.). Paris, 1886. Apud Duby, G. O A Ano Mil. Lisboa: Edições 70. p.179-80 e 192)."
Publicado em: PERDRERO-SÁNCHES, M. G. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Unesp. 1999.
O texto acima, do monge cluniciense (da Ordem beneditina de Cluny), foi escrito na primeira metade do século XI. Ele é um testemunho de alguns fenômenos histórico que estamos estudando. Mas é claro que não devemos acreditar que, por ter vivido a história, o relato dos testemunhos devam ser entendidos como verdade. As pessoas veem o mundo com as "lentes" disponíveis a elas, de um ponto de vista que é sempre determinado pela própria história pessoal deles. No caso do relato do monge, devemos entendê-lo como:
a. Uma visão religiosa dos processos de recuperação econômica e demográfica que marca a chamada Idade Média Central.
b. Uma visão fantasiosa da realidade, formulada com o intuito de enganar um povo fanático e religioso que continuava a viver na miséria.
c. Uma visão realista dos acontecimentos em curso, descrevendo com exatidão os milagres ocorridos naquela época de exaltação de Deus.
d. Uma visão alegórica da realidade histórica na qual o fim das chuvas e o início de uma época de paz e abundância representa a emergência do Império de Carlos Magno.
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O que o texto traz é uma interpretação de viés religioso das mudanças econômicas e aumento demográfico que a Europa passava nos séculos X, XI e XII, que é a Idade Média Central. É correta a alternativa A.
Por que houve esta recuperação econômica?
Isto aconteceu em grande parte por causa dos sucessos do Feudalismo em reorganizar as bases econômicas europeias depois da dissolução do Império Romano do Oriente, recuperando a produção agrícola, e por conta da pacificação relativa das relações entre os diferentes reinos cristãos, permitindo que houvesse crescimento populacional e desenvolvimento social.
Mais sobre o Feudalismo em:
https://brainly.com.br/tarefa/4594016
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Anexos:
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