“Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem. Prontas, João Romão mandou levantar na frente, nas
vinte braças que separavam a venda do sobrado do Miranda, um grosso muro de dez palmos de altura, coroado
de cacos de vidro e fundos de garrafa, e com um grande portão no centro, onde se dependurou uma lanterna de
vidraças vermelhas, por cima de uma tabuleta amarela, em que se lia o seguinte, escrito a tinta encarnada e sem
ortografia: “Estalagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras”. As casinhas eram alugadas
por mês e as tinas por dia; tudo pago adiantado. O preço de cada tina, metendo a água, quinhentos réis; sabão à
parte. As moradoras do cortiço tinham preferência e não pagavam nada para lavar. Graças à abundância da água
que lá havia, como em nenhuma outra parte, e graças ao muito espaço de que se dispunha no cortiço para
estender a roupa, a concorrência às tinas não se fez esperar; acudiram lavadeiras de todos os pontos da cidade,
entre elas algumas vindas de bem longe. E, mal vagava uma das casinhas, ou um quarto, um canto onde
coubesse um colchão, surgia uma nuvem de pretendentes a disputá-los. E aquilo se foi constituindo numa grande
lavanderia, agitada e barulhenta, com as suas cercas de varas, as suas hortaliças verdejantes e os seus
jardinzinhos de três e quatro palmos, que apareciam como manchas alegres por entre a negrura das limosas tinas
transbordantes e o revérbero das claras barracas de algodão cru, armadas sobre os lustrosos bancos de lavar. E
os gotejantes jiraus, cobertos de roupa molhada, cintilavam ao sol, que nem lagos de metal branco. E naquela
terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer,
um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e
multiplicar-se como larvas no esterco.”
O Cortiço, de Aluísio Azevedo.
“O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não
consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me
faltassem os outros, vá um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo, e
esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos,
e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não agüenta tinta. Uma certidão
que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a
mim. Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campossantos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem na mocidade.
Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal
freqüência é cansativa. [...] Fiquei tão alegre com esta idéia, que ainda agora me treme a pena na mão. Sim, Nero,
Augusto, Massinissa, e tu, grande César, que me incitas a fazer os meus comentários, agradeço-vos o conselho, e
vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindo. Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão
para alguma obra de maior tomo. Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me
esqueceu. Tive outras muitas, melhores, e piores, mas aquela nunca se me apagou do espírito. É o que vais
entender, lendo.”
Dom Casmurro, de Machado de Assis
Após a leitura dos trechos selecionados, discuta, em um parágrafo, as diferenças estéticas e ideológicas que os
narradores utilizam para se expressarem aos leitores.
Dica: atenção para as obras, autores e especificidades de cada um.
Soluções para a tarefa
Respondido por
1
Resposta:tu
Explicação:O narrador faz muito uso da palavra tu , para expecificar
o leitor .
ESPERO TER AJUDADO!!!
BONS ESTUDOS ✅
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