No texto 1, diz que 70 mil famílias sobrevivem da comercialização dos produtos
da agricultura familiar, quanto representa em porcentagem, em relação a
população do brasil, supondo que seja de 210 milhões?
Soluções para a tarefa
Resposta:
Conhecido por exigir absoluto rigor nos dados estatísticos, o professor Hoffmann incomodou-se com o fato de que, desde 2011, mídias do Governo, como o "Portal Brasil", autoridades, documentos, artigos acadêmicos e até mesmo a Wikipedia passaram a repetir tal informação, sem qualquer critica ou explicação de como se chegou a essa percentagem.
Hoffmann afirma ainda que não conseguiu localizar nenhum documento que demonstrasse como se chegou a essa estimativa, o que era de se esperar, pois ela não faz qualquer sentido: “Falar em 70% dos alimentos torna necessário definir o total dos alimentos”, observa o professor, que se pergunta como se vai somar toneladas de feijão, com toneladas de óleo de soja, de sal, de açúcar ou de uva. Como se tratam de coisas completamente diferentes, diz ele, “é um absurdo somar as quantidades físicas”.
Se a afirmação fosse de que a agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos “produzidos” no Brasil, já seria um desafio extremamente complicado: o senso comum indica que tal frase só seria verdadeira se os agricultores familiares produzissem 70% de cada alimento, ou seja, 70% do arroz, do feijão, da carne, da batata, do óleo de soja, do leite, da laranja e assim por diante. Obviamente, não é o que ocorre. E não é um problema de grandeza ou de segmento da agricultura: pelas mesmas razões, seria igualmente sem sentido se a afirmação se referisse à agricultura não-familiar ou se a porcentagem fosse apenas 10%.
No Censo Agrícola de 2006, o IBGE se preocupou em avaliar adequadamente a participação da agricultura familiar na produção de alimentos mais comuns no Brasil. Mas, um primeiro cuidado foi definir o que é agricultura familiar, já que isto não tem uma definição universal. O IBGE usou a definição estabelecida na lei 11.326, de 2006, que considera agricultor familiar somente a quem atende, ao mesmo tempo, limites de área, de uso de mão de obra, de origem da renda familiar e de gestão da propriedade.
Em seu artigo, com base nos dados do censo agrícola, Hoffmann mostra que, em 2006, a agricultura familiar, tal como definida na lei, produziu 33% do arroz em casca, 69,6% do feijão (considerados todos os tipos), 83% da mandioca, 45,6% do milho em grão, 14% da soja, 21% do trigo e 38% do café em grão, só para citar alguns produtos.
Naquele ano, a agricultura familiar ainda produziu 57,6% do leite de vaca, 67% do leite de cabra e 16,2% dos ovos de galinha e detinha 29,7% do rebanho bovino, 51% das aves e 59% dos suínos. É uma contribuição expressiva nos cultivos e criações, mas não há como somar cabeças de gado, com litros de leite, arrobas de carne e quilos de grãos para se conhecer o todo da produção agropecuária e avaliar o percentual de contribuição de qualquer parcela dos agricultores.
A única maneira de somar produtos diferentes é considerar, em lugar do volume produzido, o valor de mercado de cada alimento produzido, o que é prática econômica aceita mundialmente. O Censo Agrícola mostrou que, em 2006, o valor anual da produção da agricultura familiar, tal como definida na lei, foi de 54,5 bilhões de reais, ou seja, 33,2% do valor total da produção agrícola brasileira (R$ 169 bilhões).
Portanto, o que se pode afirmar com certeza é que, naquele ano, a agricultura familiar foi responsável por 33,2% do valor da produção agrícola brasileira e a agricultura não-familiar foi responsável por 66,8% desse valor. Em outros anos, esses valores podem mudar.
Em 2013, a pesquisadora A. A. Kageyama e colegas, usando os dados do Censo de 2006, estimaram que a contribuição da agricultura familiar chegaria a 52% do valor da produção total. Mas, nesse cálculo consideraram agricultura familiar toda propriedade em que metade da mão de obra fosse da família dona do negócio, agregando assim o valor de produção de um número muito maior de propriedades.
Se estabelecer a participação da agricultura familiar na quantidade de alimentos “produzidos” no Brasil já foi uma tarefa complicada, afirmar que a agricultura familiar produz 70% dos alimentos “consumidos” pelos brasileiros é um desafio ainda maior, senão impossível, pois significa garantir que 70% do que cada família consome vem da agricultura familiar.
Hoffmann lembra que é preciso considerar que parte do que a agricultura familiar produz é exportada, outra parte é consumida pela própria família produtora e uma porção grande é transformada em vários produtos na indústria de alimentos, que envolve cadeias produtivas muito diversificadas. Afirmar, com segurança, que fornecem 70% do que as famílias brasileiras consomem exigiria rastrear cada alimento desde sua origem, ao longo dessas cadeias, até as residências dos consumidores.
Para avaliar essa afirmação, ele propõe um raciocínio simples, não muito rigoroso, baseado na despesa total, das famílias, com alimentos, ao longo do ano, fornecida na pesquisa de orçamentos familiares (POF) do IBGE, de 2008/2009, e na estimativa do valor da produção da agricultura familiar, estimado em 2006.