No livro de Gilberto Freire o que estaria fielmente por trás da relação "cordial" entre senhores e escravos?
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Resposta:
A origem mais forte e sociologicamente descrita do mito da democracia racial aqui no Brasil advém dos escritos do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre. Freyre foi um estudioso da sociologia e da antropologia no Brasil, no século XX. Apesar de situar-se no período pré-científico da sociologia brasileira (quando os sociólogos eram intelectuais e eruditos com formações em outras áreas, como o direito e a filosofia, mas dedicavam-se a estudar sociologia), o pensador pernambucano graduou-se e doutorou-se em ciências sociais nos Estados Unidos, desenvolvendo uma tese sobre a organização social do Brasil colonial.
Em Casa grande e senzala, a obra mais difundida desse autor, ele vai na contramão das teorias do chamado racismo científico do início do século XX, que defendiam a pureza racial e o “branqueamento” do povo brasileiro como ponto de partida para chegar-se a um estágio de maior evolução social. Para o sociólogo brasileiro, era a miscigenação que gerava um povo mais forte e capaz de maior desenvolvimento. O problema da tese de Freyre é que ela considerava como certa a existência de uma relação cordial entre senhores e escravos no período colonial brasileiro.
Segundo o sociólogo, os senhores mantinham uma relação de cordialidade com seus escravos e escravas, mantendo com estas, muitas vezes, relações sexuais. O problema dessa visão é que ela não enxerga que a cordialidade do escravo para com o seu senhor advém do medo e que as relações sexuais entre escravas e senhores brancos eram, na maioria das vezes, estupro ou consentidas por elas por conta do medo que tinham de sofrer castigos ao negarem-se a tal ato. O mesmo fenômeno aconteceu com as índias brasileiras e os brancos.
Esse ciclo de abusos sexuais resultou nos primeiros casos de miscigenação no Brasil ainda no século XVI e intensificou-se até o fim da escravidão. Não podemos dizer que toda a miscigenação do período seja fruto de abuso e de estupros, mas a maior parte foi. Acontece que em outros países, como os Estados Unidos, que também tiveram grande parte da mão de obra da época baseada na escravização de povos africanos, quase não houve miscigenação. Esse fato, arriscamos dizer, não aconteceu por falta de cordialidade entre povos negros e colonos nos Estados Unidos, mas por conta da moral protestante de origem anglicana (a Igreja anglicana era a mais forte entre os colonos ingleses nos séculos XVII e XVIII), que condenava veementemente e de maneira mais severa qualquer ato sexual que não fosse para a procriação dentro do casamento.
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