No dia a dia, muitas pessoas se deparam com falas ou textos que dão a sensação de já terem sido ouvidas ou lidas muitas vezes antes. Há diversas ideias, frases e expressões que têm esse caráter. No entanto, definir e investigar os clichês de forma mais precisa, em diferentes tipos de texto, requer um pouco mais de esforço.
Diante disso, leia a história a seguir, contada por Marques (2004):
“A linguagem cotidiana concede espaço praticamente só para o que é previsível e o banal, encharcando desse modo o repertório de clichês e lugares-comuns. Preocupados com esse fenômeno de vulgarização da linguagem oral e escrita, profissionais que têm na palavra o seu instrumento de trabalho se reuniram para discutir o problema. Eram linguistas, professores, semióticos, jornalistas, enfim, pessoas capazes de, no meio do uso reiterado de clichês e frases-feitas, discutir as possíveis saídas para a crise. Deram ao encontro o nome de Congresso Mundial do Lugar-Comum, que seria um espaço multidisciplinar e pós-moderno, destinado a repensar todos os ângulos da questão, em busca de uma luz no fim do túnel.
O leque de opções era muito variado. Por via das dúvidas, um semiótico debruçou-se sobre os escritos de outro semiótico, e, sem nenhum motivo aparente, ambos acabaram excluídos da discussão. Um professor aposentado foi nomeado presidente do congresso, e iniciou seu discurso colocando algumas questões. Apesar de aposentado, era ágil, e falava como se tivesse uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Mas as aparências enganam e, enfastiados, todos os presentes, para quebrar a rotina, se dirigiram para um outro local.
Diante desse quadro conflitante, e após horas e horas de conversas regadas a champanhe e caviar, um grupo de estudos decidiu, em última análise, e porque ninguém sabe o dia de amanhã, punir severamente qualquer um que utilizasse, em um mesmo texto, as seguintes palavras ou expressões: globalização, neoliberal, parceria e falta de vontade política. E se essas palavras estivessem juntas, em uma só frase, o autor da “peça” seria extraditado para a Sibéria mais próxima.
O grupo de estudos era uma ilha cercada de curiosos por todos os lados. Como se não bastasse, a vida imita a arte e o sonho pode virar pesadelo, o que deixou a todos apreensivos. Some-se a isso o fato de que gato escaldado tem medo de água fria, mais vale um pássaro na mão do que dois voando, e teremos os ingredientes básicos para o futuro incerto da linguagem escrita como meio de expressão criativo, o que se encaixa como uma luva no mundo em que vivemos.
Um linguista estava em uma encruzilhada: não sabia se media sacrifícios ou poupava benefícios. Sua indecisão era uma pedra no sapato, todos fugiam dele como o diabo foge da cruz. Mas, como as paredes têm ouvidos, ninguém se dispôs a falar nisso abertamente. Líquido e certo era que a linguagem precisava ser renovada, tornando-se dinâmica e criativa.
Premido pelas circunstâncias e correndo atrás do prejuízo, um empresário (“sempre que ouço a palavra cultura, saco meu talão de cheques”) de sucesso soltou uma frase capaz de agradar a gregos e troianos. Ele dizia que falar inglês, hoje, é um passaporte obrigatório para ingressar no mercado de trabalho. Sugeriu, então, que a língua inglesa fosse adotada e, progressivamente, que se eliminassem todas as outras línguas. Teríamos, assim, um idioma universal para facilitar a comunicação entre os seres humanos, esses incomunicáveis.
Isolado em um canto, um jornalista anotava as palavras do presidente do congresso, que discursava em alto e bom som. Ao fim e ao cabo, muito pouco ou quase nada tinha sido decidido, mas uma comissão tinha sido criada para avaliar as consequências do encontro e, dessa comissão, sairiam dezenas de subcomissões, destinadas a outras tarefas, que não cabe aqui enumerar. Enquanto isso, o presidente terminava o discurso, dizendo suas últimas palavras, e o jornalista escrevia: ‘a linguagem, como o futebol, é uma caixinha de surpresas’, finalizou.”
Tente identificar na história, no mínimo, 10 clichês.
Soluções para a tarefa
Resposta:
Padrão de resposta esperado
Estão grifadas as expressões que podem ser consideradas clichês. O aluno tem muitas possiblidades, pois o texto fornece bem mais de dez clichês:
“A linguagem cotidiana concede espaço praticamente só para o que é previsível e o banal, encharcando desse modo o repertório de clichês e lugares-comuns. Preocupados com esse fenômeno de vulgarização da linguagem oral e escrita, profissionais que têm na palavra o seu instrumento de trabalho se reuniram para discutir o problema. Eram linguistas, professores, semióticos, jornalistas, enfim, pessoas capazes de, no meio do uso reiterado de clichês e frases-feitas, discutir as possíveis saídas para a crise. Deram ao encontro o nome de Congresso Mundial do Lugar-Comum, que seria um espaço multidisciplinar e pós-moderno, destinado a repensar todos os ângulos da questão, em busca de uma luz no fim do túnel.
O leque de opções era muito variado. Por via das dúvidas, um semiótico debruçou-se sobre os escritos de outro semiótico, e, sem nenhum motivo aparente, ambos acabaram excluídos da discussão. Um professor aposentado foi nomeado presidente do congresso, e iniciou seu discurso colocando algumas questões. Apesar de aposentado, era ágil, e falava como se tivesse uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Mas as aparências enganam e, enfastiados, todos os presentes, para quebrar a rotina, se dirigiram para um outro local.
Diante desse quadro conflitante, e após horas e horas de conversas regadas a champanhe e caviar, um grupo de estudos decidiu, em última análise, e porque ninguém sabe o dia de amanhã, punir severamente qualquer um que utilizasse, num mesmo texto, as seguintes palavras ou expressões: globalização, neoliberal, parceria e falta de vontade política. E se essas palavras estivessem juntas, numa só frase, o autor da “peça” seria extraditado para a Sibéria mais próxima.
O grupo de estudos era uma ilha cercada de curiosos por todos os lados. Como se não bastasse, a vida imita a arte e o sonho pode virar pesadelo, o que deixou a todos apreensivos. Some-se a isso o fato de que gato escaldado tem medo de água fria, mais vale um pássaro na mão do que dois voando, e teremos os ingredientes básicos para o futuro incerto da linguagem escrita como meio de expressão criativo, o que se encaixa como uma luva no mundo em que vivemos.
Um linguista estava em uma encruzilhada: não sabia se media sacrifícios ou poupava benefícios. Sua indecisão era uma pedra no sapato, todos fugiam dele como o diabo foge da cruz. Mas, como as paredes têm ouvidos, ninguém se dispôs a falar nisso abertamente. Líquido e certo era que a linguagem precisava ser renovada, tornando-se dinâmica e criativa.
Premido pelas circunstâncias e correndo atrás do prejuízo, um empresário (“sempre que ouço a palavra cultura, saco meu talão de cheques”) de sucesso soltou uma frase capaz de agradar a gregos e troianos. Ele dizia que falar inglês, hoje, é um passaporte obrigatório para ingressar no mercado de trabalho. Sugeriu, então, que a língua inglesa fosse adotada e, progressivamente, que se eliminassem todas as outras línguas. Teríamos, assim, um idioma universal para facilitar a comunicação entre os seres humanos, esses incomunicáveis.
Isolado num canto, um jornalista anotava as palavras do presidente do congresso, que discursava em alto e bom som. Ao fim e ao cabo, muito pouco ou quase nada tinha sido decidido, mas uma comissão tinha sido criada para avaliar as consequências do encontro e, dessa comissão, sairiam dezenas de subcomissões, destinadas a outras tarefas, que não cabe aqui enumerar. Enquanto isso, o presidente terminava o discurso, dizendo suas últimas palavras, e o jornalista escrevia: ‘a linguagem, como o futebol, é uma caixinha de surpresas’, finalizou.”
Explicação: