Mundo interior
Martha Medeiros
A casa da gente é uma metáfora da nossa vida, é a representação exata e fiel do nosso mundo
interior. Li esta frase outro dia e achei perfeito. Poucas coisas traduzem tão bem nosso jeito de
ser como nosso jeito de morar. Isso não se aplica, logicamente, aos inquilinos da rua, que têm
como teto um viaduto, ainda que eu não duvide que até eles sejam capazes de ter seus códi-
gos secretos de instalação.
No entanto, estamos falando de quem pode ter um endereço digno, seja seu ou de aluguel.
Pode ser um daqueles apartamentos amplos, com o pé direito alto e preço mais alto ainda, ou
um quarto-e-sala tão compacto quanto seu salário: na verdade, isso determina apenas seu po-
der aquisitivo, não revela seu mundo interior, que se manifesta por meio de outros valores.
Da porta da rua pra dentro, pouco importa a quantidade de metros quadrados e, sim, a maneira
como você os ocupa. Se é uma casa colorida ou monocromática. Se tem objetos adquiridos
com afeto ou se foi tudo escolhido por um decorador profissional. Se há fotos das pessoas que
amamos espalhadas por porta-retratos ou se há paredes nuas.
Tudo pode ser revelador, se deixamos a comida estragar na geladeira, se temos a mania de
deixar as janelas sempre fechadas, se há muitas coisas por consertar. Isso também é estilo de
vida.
Luz direta ou indireta? Tudo combinadinho ou uma esquizofrenia saudável na junção das coi-
sas? Tudo de grife ou tudo de brique?
É um jogo lúdico tentar descobrir o quanto há de granito e o quanto há de madeira na nossa
personalidade. Qual o grau de importância das plantas no nosso habitat, que nota daríamos
para o quesito vista panorâmica? Quadros tortos nos enervam? Tapetes rotos nos comovem?
Há casas em que tudo o que é aparente está em ordem, mas reina a confusão dentro dos ar-
mários. Há casas tão limpas, tão lindas, tão perfeitas que parecem cenários: faz falta um cheiro
de comida e um som vindo lá do quarto. Há casas escuras. Há casas feias por fora e bonitas
por dentro. Há casas pequenas onde cabem toda a família e os amigos, há casas com lareira
que se mantêm frias, há casas prontas para receber visitas e impróprias para receber a vida.
Há casas com escadas, casas com desníveis, casas divertidamente irregulares.
Pode parecer apenas o lugar onde a gente dorme, come e vê televisão, mas nossa casa é mui-
to mais que isso. É a nossa caverna, o nosso castelo, o esconderijo secreto onde coabitamos
com nossos defeitos e virtudes.
1 - De acordo com a autora, há uma relação entre as casas e seus moradores. Trata-se de
uma relação de:
a)Identificação
b)Dependência
c)Distanciamento
d)Oposicão
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1
identificação
oposição
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