Moravam debaixo da ponte. Oficialmente, não é
lugar onde se more, porém eles moravam. Ninguém
lhes cobrava aluguel, imposto predial, taxa de
condomínio; a ponte é de todos, na parte de cima; de
ninguém, na parte de baixo. Não pagavam conta de luz
e gás, porque luz e gás não consumiam. Não
reclamavam contra falta d’água, raramente observada
por baixo de pontes. Problema de lixo não tinham; podia
ser atirado em qualquer parte, embora não conviesse
atirá-lo em parte alguma, se dele vinham muitas vezes
o vestuário, o alimento, objetos de casa. Viviam debaixo
da ponte, podiam dar esse endereço a amigos, recebê-
los, fazê-los desfrutar comodidades internas da ponte.
À tarde surgiu precisamente um amigo que morava
nem ele mesmo sabia onde, mas certamente morava:
nem só a ponte é lugar de moradia para quem não
dispõe de outro rancho.
Há bancos confortáveis nos jardins, muito
disputados; a calçada, um pouco menos propícia; a
cavidade na pedra, o mato. Até o ar é uma casa, se
soubermos habitá-lo, principalmente o ar da rua. O que
morava não se sabe onde vinha visitar os de debaixo da
ponte e trazer-lhes uma grande posta de carne.
Nem todos os dias se pega uma posta de carne. Não
basta procurá-la; é preciso que ela exista, o que
costuma acontecer dentro de certas limitações de
espaço e de lei. Aquela vinha até eles, debaixo da
ponte, e não estavam sonhando, sentiam a presença
física da ponte, o amigo
rindo diante deles, a posta bem pegável, comível. Fora
encontrada no vazadouro, supermercado para quem
sabe frequentá-lo, e aqueles três o sabiam, de longa e
olfativa ciência.
Comê-la crua ou sem tempero não teria o mesmo
gosto. Um de debaixo da ponte saiu à caça de sal. E havia sal jogado a um canto de rua, dentro da lata.
Também o sal existe sob determinadas regras, mas
pode tornar-se acessível conforme as circunstâncias. E a
lata foi trazida para debaixo da ponte. Debaixo da ponte
os três prepararam comida. Debaixo da ponte a
comeram. Não sendo operação diária, cada um
saboreava duas vezes: a carne e a sensação de raridade
da carne. E iriam aproveitar o resto do dia dormindo
(pois não há coisa melhor, depois de um prazer, do que
o prazer complementar do esquecimento), quando
começaram a sentir dores.
Dores que foram aumentando, mas podiam ser
atribuídas ao espanto de alguma parte do organismo de
cada um, vendo-se alimentado sem que lhe houvesse
chegado notícia prévia de alimento. Dois morreram logo,
o terceiro agoniza no hospital.
Dizem uns que morreram da carne, dizem outros
que do sal, pois era soda cáustica. Há duas vagas
debaixo da ponte.
Questão 06
Todas as alternativas apresentam interpretações corretas
do texto, EXCETO:
A. ( ) o objetivo do autor é fazer-nos crer na importância
da carne na alimentação humana.
B. ( ) os “debaixo da ponte” eram apenas pobres
criaturas humanas desprovidas de quaisquer recursos.
C. ( ) desde longo tempo, os “debaixo da ponte”
costumavam procurar alimento pelo olfato.
D. ( ) os “debaixo da ponte” retiravam do lixo o
necessário para sua sobrevivência.
Soluções para a tarefa
Respondido por
1
Resposta:
a opção A é a sua resposta correta
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