Português, perguntado por akjrfgnghle, 7 meses atrás

Meio-dia

Era um início de tarde, quando o calor atinge seu ponto máximo, a água da bica é quente, o asfalto das ruas é grudento e não se percebe a mais leve brisa no céu sem nuvens.

O menino estava sentado no degrau do portão da casa com os pés na calçada, os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos em vê segurando o queixo. Vestia short e camiseta e calçava sandálias. Devia ter sete ou oito anos de idade e olhava para as coisas com lentidão, os olhos castanhos parecendo derreter sob o sol de verão. Não olhava a rua como se estivesse à espera de alguém, olhava a calçada fronteira pelo simples fato de que era para aquela direção que estava voltada a cabeça apoiada entre as mãos. Parecia estar à espera de alguma coisa que sabia demorar muito a chegar.

Conhecia todas as casas da rua. Não por dentro, mas por fora, embora já tivesse entrado em algumas delas; eram todas parecidas com a sua: dois pavimentos, jardim na frente e quintal na parte dos fundos. Mas naquele momento não parecia estar interessado no interior das residências, era para a rua que olhava. Conhecia cada árvore, cada buraco na calçada, cada reentrância secreta nos muros das casas, cada automóvel estacionado ao longo do meio-fio; conhecia o sorveteiro, o carteiro, os entregadores; conhecia os cachorros que vadiavam pelas calçadas e que àquela hora estavam desaparecidos. Do seu pequeno mirante ao rés-do-chão, o menino observava aquele mundo particular que, apesar de limitado em espaço, era infinito em detalhes, segredos, esconderijos, pequenos e grandes habitantes, mistérios.

As sombras eram tão fortes e nítidas que pareciam pintadas no chão. Toda a vida animal estava recolhida. Se algum passarinho arriscava um voo era para procurar proteção sob uma árvore. E quando ocasionalmente passava um carro, o contato do pneu com o asfalto produzia um ruído pegajoso.

Da janela do segundo andar o homem olhava, havia algum tempo, o menino sentado no portão. Pensou em dizer-lhe para sair do sol, sentar num lugar à sombra, proteger-se, mas da distância em que se encontrava teria que gritar e tinha medo de perturbar. Não sabia bem o que seu grito perturbaria, ou mesmo se era possível provocar alguma perturbação. Não havia mais ninguém na rua, também não parecia haver ninguém dentro das casas e nem mesmo dentro da casa do menino; as janelas estavam com as venezianas fechadas e não havia movimento algum do lado de fora. Talvez as pessoas estivessem dormindo. Havia apenas ele no portão.

O homem fez o movimento de quem ia sair da janela, mas o olhar permanecia voltado para a rua. Finda a indecisão, retomou a posição original, braços apoiados no peitoril da janela. Olhava para o menino com a mesma obstinação com que o menino olhava para a calçada fronteira ao seu portão, mas não com a mesma serenidade. O menino não demonstrava nenhum sinal de desconforto ou sofrimento. O sol e o calor pareciam não afetá-lo, dava a impressão de que agiria da mesma forma caso estivesse chovendo. Era o que o homem parecia estar pensando enquanto olhava e esperava. E enquanto esperava, talvez ponderasse ainda que os meninos quando sozinhos estavam sempre fazendo alguma coisa. Pelo menos assim tinha sido com ele próprio. Mesmo sozinhos, os meninos brincam. Brincam com carrinho, bola de gude, com pedra, alguns brincam com outro imaginário companheiro de brincadeira. Mas aquele menino não estava brincando, ele nem sequer se movia. Apenas olhava.

Da janela, o homem viu os outros três dobrarem a esquina pela mesma calçada, vindo na direção do menino. Percebeu também quando o menino captou o movimento e moveu ligeiramente a cabeça para a direita. Dos três, um era bem maior do que ele, talvez tivesse uns treze anos; os outros dois se igualavam a ele em tamanho, embora aparentassem mais idade. Estavam sem camisa e descalços. O que os quatro usavam igualmente era o short, embora os dos recém-chegados estivessem mais sujos e com alguns furos visíveis. O menino voltou a cabeça para a posição original e continuou a olhar para a calçada em frente. Os três se aproximaram preguiçosamente, o andar lento e gingoso, conversando entre si, olhos voltados para o portão. [...]

Leia as afirmações:

I- A personagem principal (menino) é apresentada indiretamente, pois o narrador não recorre à descrição.

II- A ordenação do enredo não é linear, pois o autor fragmenta a narração com cortes, avanços e recuos temporais.

III- A minuciosa caracterização do espaço é um recurso importante, para criar um clima de expectativa.

IV- O dinamismo descritivo contribui para o ritmo acelerado da narração rumo ao ponto culminante.

Estão corretas
A
todas as afirmações.

B
Apenas as afirmações II, III e IV.

C
Apenas as afirmações II e IV.

D
Apenas a afirmação III.

E
Apenas a afirmação IV.

Soluções para a tarefa

Respondido por Nandafurtado70
10

Resposta:

d) apenas a afirmação lll

Explicação:

TC online plurall

Respondido por raysonmarcosads
1

Resposta:

letra D)III

Explicação:

- Afirmação I - incorreta: O narrador apresenta a personagem diretamente, descrevendo sobretudo suas características físicas.

- Afirmação II - incorreta:  A ordenação é linear; embora o narrador altere os pontos de vista, a sequência cronológica não é interrompida, nem sua ordem é alterada.

- Afirmação III - correta: A descrição é extremamente detalhada, e esse processo retarda a narrativa, aumentando o suspense; alguns detalhes são índices sugestivos de que algo grave deverá acontecer, sobretudo a partir da frase “parecia estar à espera de alguma coisa que sabia demorar muito a chegar”.

- Afirmação IV - incorreta: A minuciosidade descritiva impede o dinamismo da narração e desacelera seu ritmo.

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