Medo da Eternidade
Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato
com a eternidade. Quando eu era muito pequena ainda
não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se
pouco deles. [...] Afinal minha irmã juntou dinheiro,
comprou e ao sairmos de casa para a escola me
explicou:
– Tome cuidado para não perder, porque esta bala
nunca se acaba. Dura a vida inteira.
– Como não acaba?
– Parei um instante na rua, perplexa.
– Não acaba nunca, e pronto.
Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para
o reino de histórias de príncipes e fadas. [...] Com
delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
– E agora que é que eu faço? – perguntei para não
errar no ritual que certamente deveria haver.
– Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho
dele, e só depois que passar o gosto você começa a
mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você
perca, eu já perdi vários.
– Perder a eternidade? Nunca.
[...]
– Acabou-se o docinho. E agora?
– Agora mastigue para sempre.
Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a
mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa
cinzento de borracha que não tinha gosto de nada.
Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na
verdade, eu não estava gostando do gosto. E a
vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie
de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou
de infinito. Eu não quis confessar que não estava à
altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto
isso, eu mastigava obedientemente, sem parar. Até que
não suportei mais, e, atravessando o portão da escola,
dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
– Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos
espanto e tristeza.
– Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!
– Já lhe disse – repetiu minha irmã – que ela não
acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. [...] Não fique
triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha
irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que
o chicle caíra da boca por acaso. Mas aliviada. Sem o
peso da eternidade sobre mim.
Clarice Lispector
Jornal do Brasil, 06 de junho de 1970
1) Qual é o tempo verbal predominante nesta crônica?
2) Retire do texto três verbos no pretérito perfeito do
indicativo
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oraul
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