Mas estava diferente.
Triste
"...- Você mudou", disse a Menina!
--- Eu sei”, ele respondeu. "Perdi a alegria. Não mais tenho vontade de voar!"
"--- Como foi que isto aconteceu?", perguntou a Menina.
"--- Estou velho. Não sou como era...", ele respondeu.
--- Quem lhe contou isto?"
O ESPELHO..."
Com estas palavras, o Pássaro tirou de dentro de suas penas um espelho de ouro e começou a
contemplar o seu rosto.
"--- Não me lembro deste espelho", disse a Menina.
"--- Foi presente de alguém! Deixado à minha porta”, explicou o Passaro.
Como seu Pássaro! A Menina penscu. Ela nunca o havia visto se olhando num espelho. Seus olhos
estavam sempre cheios de mundos, de montanhas e campos nevados, florestas e mares... Tão cheios de
mundos que não havia neles lugar para sua própria imagem. Mas agora era como se os mundos não mais
existissem. Os olhos de Pássaro estavam cheios do seu próprio reflexo. A Menina percebeu que seu Pássaro
fora enfeitiçado. Com certeza alguém, com inveja, como a madrasta da Branca de Neve. E que instrumento
mais terrível para o feitiço que um espelho? Mais terrível que as gaiolas. De dentro das gaiolas todos devem
sair. Mas dentro dos espelhos todos querem ficar.
A Menina se entristeceu... E juicu que tudo faria para quebrar qualquer feitiço.
Mas de feitiços ela nada entendia. Procurou então os conselhos de um velho mago, que lhe revelou o
segredo do poder de todos os bruxedos.
"--- Uma pessoa fica enfeitiçada quando se torna incapaz de ama. E, para isto, não existe nada mais
forte que um espelho. O espelho faz com que as pessoas só se vejam a si mesmas. E quem so vê o próprio
reflexo não consegue amar. Adoece e morre. Narciso morreu assiin, enfeitiçado por sua própria beleza,
refletida na água da fonte. E foi a beleza da madrasta da Branca de Neve, refletida no espelho, que a
transformou de mulher linda em bruxa lorrenda!".
Contra o feitiço do espelho existe um só remédio: é preciso redescobrir o amor. Ficar de novo
apaixonado! Somente o amor tem poder suficiente para arrancar as pessoas de dentro da armadilha do
espelho. Mas não há receitas... Soinente quem ama a pessoa enfeitiçada pode salvá-la!..."
Muito longe dali, o Pássaro se o nava no espelho e chorava os sinais do tempo gravados no seu rosto,
e a única coisa que via era a sua própria imagem.
De repente, entretanto, algo passou, bem no fundo da sua alrna. Como se fosse um Vento leve, bem
leve; ou um raio de sol crepuscular; uma pequena chama de fogueira no trio das montanhas; um sonho
bonito, em meio à noite... E ele se lembrou da Menina. Onde estaria ela? Deixou sobre a mesa o espelho e
saiu em "busca das marcas da sua Ausência”, no perfume das flores, no gosto dos frutos, no quarto vazio...
Havia, por todos os lugares, a presença da sua Ausência. E naquele corpo, por tanto morto dentro do
espelho, o Desejo cresceu, o rosto sorriu, as asas se abriram e o que era pesado voou...
E cada um deles partiu, ignorando o que o outro fazia, em busca do reencontro...
Ressuscitou..
O feitiço fora quebrado.
Estavam apaixonados.
Voavam leves, ao Vento, com asas de saudade...
E ambos traziam, no brilho dos olhos, os sinais da juventude eterna, que os anos não conseguem
apagar... Porque os que estão apaixonados não envelhecem, jamais...
ALVES, Rubem. A Volta do Pássaro Encantado. São Paulo: Paulus, 1989. po
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