Linha de pensamento de goethe
Soluções para a tarefa
A natureza às vezes se excede. E reúne, num só homem, uma quantidade de talento capaz de suprir um século inteiro. Foi o que fez com alemão Johann Wolfgang Goethe (1749-1832). É pelo valor de sua obra literária que o mundo comemora os 250 anos de seu nascimento. De fato, com apenas 25 anos, a publicação do romance Os sofrimentos do jovem Wether já havia feito dele uma celebridade internacional. A conclusão da primeira parte do Fausto, aos 41, consagrou seu nome como um dos maiores poetas e dramaturgos de todos os tempos. O que raramente se diz é que, tanto quanto poeta, Goethe foi também um cientista. E chegou a dar mais importância às suas investigações da natureza do que à criação literária.
Ele realizou pesquisas em campos tão variados como a óptica, a geologia, a mineralogia, a botânica e a zoologia. Fez descobertas importantes, como a do osso intermaxilar no crânio humano (leia quadro). E elaborou uma teoria das cores alternativa à do grande físico inglês Isaac Newton (1642-1727). Mais significativa do que essas realizações isoladas, porém, foi sua visão da natureza. Divergindo das idéias científicas da época, Goethe a concebeu como uma totalidade orgânica e viva, em profunda conexão com o mundo espiritual, e não um mecanismo frio e sem alma, constituído apenas por matéria em movimento.
Num momento em que a ciência busca novos paradigmas, é essa visão da natureza que torna o pensamento de Goethe tão atual. Ela o levou a considerar o crânio como um desenvolvimento das vértebras. E a ver todos os órgãos vegetais como metamorfoses do princípio espiritual expresso pela folha. Essas concepções ousadas foram tratadas com incompreensão e desprezo pela corrente dominante na ciência. E só foram resgatadas, quase um século mais tarde, graças ao trabalho de Rudolf Steiner (1861-1925), o criador da antroposofia.
Em 1882, com apenas 21 anos de idade, Steiner foi convidado a editar os escritos científicos de Goethe. Ele os reuniu em cinco livros, que abordam uma grande variedade de temas. As introduções que redigiu – de uma profundidade filosófica espantosa para um autor tão jovem – fazem aquilo que o próprio Goethe sempre evitou: pensar sobre o pensamento. Elas explicitam uma visão de mundo que nos escritos goetheanos permanecem implícitos e nos permitem captar suas linhas mestras.
Em todos os domínios da realidade, Goethe trabalha com dois conceitos básicos: arquétipo e metamorfose. São os arquétipos ou idéias universais que conferem coerência à natureza. É a metamorfose desses princípios espirituais que produz a enorme variedade das formas individuais encontradas no mundo. Vejamos como o próprio Goethe utiliza esses conceitos para estabelecer a relação entre o crânio e as vértebras.
"O cérebro representa somente uma massa da medula espinhal aperfeiçoada ao máximo grau", escreveu ele em 1789. "Na medula terminam e começam os nervos que estão a serviço das funções orgânicas, ao passo que no cérebro terminam e começam os nervos que servem às funções superiores, principalmente os nervos dos sentidos. No cérebro surge desenvolvido aquilo que está indicado como possibilidade na medula espinhal.
E continua: "O cérebro é uma medula perfeitamente desenvolvida, ao passo que a medula espinhal é um cérebro que ainda não chegou ao pleno desenvolvimento. Ora, as vértebras da coluna contornam como um molde as várias partes da medula, servindo-lhe como órgãos envoltórios. Parece então altamente provável que, se o cérebro é uma medula espinhal elevada ao máximo grau, também os ossos que o envolvem sejam vértebras altamente desenvolvidas".
Em outras palavras, as diversas vértebras da coluna seriam manifestações de um princípio espiritual, de uma idéia arquetípica. "De vértebra a vértebra, no sentido ascendente, esse mesmo princípio vai-se metamorfoseando, sendo representado por formas ósseas cada vez mais sutis. Até chegar ao crânio, que seria a última metamorfose da idéia vértebra", explica o farmacêutico-bioquímico Flávio Ernesto Milanese, com estágio em ciência Goetheanística no Goetheanum, de Dornach, Suiça.