Leia o texto:
Outro presente para a senhora
– Mãe, taqui seus chocolates!
– Que chocolates, meu anjo?
– A senhora não sabe que, no Dia das Mães, dê chocolate para ela? Comprei um pacotão divino-maravilhoso-fora-de-série, pra senhora. Tem bombons, tablettes, figurinhas, pastilhas, drágeas... Um negócio, mãe!
– Filhinho, eu não posso comer chocolate.
– Como não pode? É uma curtição. Todas as mães do Brasil, no Dia das Mães, vão saborear produtos achocolatados. Não precisa engolir tudo e duma vez, guarda pra semana toda, pro mês inteiro.
– Alfredinho, o médico me proibiu de comer chocolate.
– E daí, esquece o médico. Não é Dia dos Médicos, é Dia das Mães, dia da senhora. Quando é que as mulheres vão se emancipar da tutela dos homens?
– E você não é homem, criatura? Você quer que eu seja independente comendo chocolate que você faz questão de me dar?
– Fico triste com a senhora.
– Fique não, querido. Vamos fazer uma coisa. Dê esse pacote tão lindo pra sua namorada.
– A Georgiana? A Georgiana não é casada nem mãe solteira, como é que eu vou dar presente a ela no Dia das Mães? Pega mal.
– Toda namorada merece ganhar presentes em qualquer dia do ano.
– Não posso dar chocolates a Georgiana.
– Não pode por quê?
– Engorda.
– Ah, muito bonito. Então a Georgiana não pode engordar, eu, que sou mãe do namorado dela, posso, né?
– Não é nada disso, mãe. Também não quero que a senhora engorde, mas se engordar, problema de papai.
– O problema é meu antes de mais ninguém, ouviu? Ou você não acha mais que a mulher deve resolver por si mesma o que lhe convém ou não convém?
– Mas chocolate, uma coisa à-toa... Que importância tem isso?
– Tem importância pra Georgiana, tem importância pra você que não quer ver Georgiana barriguda por causa de chocolate, não tem importância pra mim, só porque no Dia das Mães usa oferecer chocolate à autora dos seus dias?
– Autora de quê? A senhora tá falando difícil, mãe. Até parece linguagem de vestibular. Deixa, não tem importância. Quer dizer que a senhora tá mandando meu presente praquela parte.
– Alfredinho, não repita!
– Não disse nada de mal.
– Disse sem dizer. Não admito que você use essas expressões falando comigo.
– Que expressões? Desculpe. Não quis ofender a senhora, evidente. Estou só defendendo o chocolate, entende?
– Está bem.
– É muito alimentício.
– Eu sei.
– Numa dieta bem balanceada...
– Chega, Alfredinho. Não precisa falar em calorias. Quem não sabe que chocolate é bom e gostoso? Eu adoro chocolate, mas...
– Então pega o pacote.
– É uma tentação. Mas eu resisto.
– Eu ajudo a destruir o que tá aí dentro, mãe.
– Não.
– Prova só um chocolatezinho mais legal, com recheio de licor.
– Não.
– Unzinho só. Delícia.
– Nããããão. Leve pra Georgiana, já disse.
– Já vi tudo. Você quer ter uma nora de barrigona estufada de tanto comer chocolate, só pra ter o gosto de mostrar que a sogra dela é mais leve que manequim!
– Bandido, some da minha frente com essa porcaria, que eu não sou mais sua mãe!
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Os dias lindos. In: Poesia e Prosa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1988, p. 1926)
a) Esta crônica de Carlos Drummond de Andrade não possui a voz de um narrador. Que outro gênero literário tem essa característica? Explique.
b) Escreva um pequeno parágrafo (de 3 a 5 linhas), introduzindo as personagens e explicitando, pela voz de um narrador em terceira pessoa, as circunstâncias (tempo e lugar) que envolvem o diálogo.
c) Em textos narrativos, o narrador frequentemente introduz e comenta as frases dos diálogos. Interpretando os sentimentos e atitudes das personagens, escreva uma frase-comentário do narrador para cada fala do seguinte trecho (atenção: utilize dois pontos após cada frase):
– Unzinho só. Delícia.
– Nããããão. Leve pra Georgiana, já disse.
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Resposta: a)
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